Tal questão foi colocada em relato de caso trazido no Journal of Clinical Ethics (veja abstract), dos autores neozelandeses Laura Tincknell e colegas.
Os fatos do caso são bastante diretos: era esperado que um homem de 70 anos, com câncer avançado e dores severas, tivesse morte iminente pouco depois de ser internado em enfermaria de cuidados paliativos. Ao ser avaliado por médico residente, o paciente expressou o desejo de falar sobre “sua vida e algumas escolhas feitas no passado”.
Depois de ressaltar seu direito ao sigilo sobre tudo o que dissesse, relatou que, em sua juventude, havia se envolvido com gangues, e sido pago para matar “várias pessoas”. De acordo com Tincknell et al., “o atendido expressou culpa, afirmando que passou os últimos 40 anos de sua vida tentando expiar seus crimes” – na verdade, uma das razões da confissão foi permitir que os corpos dos assassinados fossem encontrados.
A confissão pareceu ser um grande alívio para o paciente, cuja condição e níveis de dor melhoraram significativamente. Embora tenha se recusado a dar ao médico o consentimento para compartilhar o dito, prometeu escrever uma carta “para ser entregue à polícia após sua morte”. Morreu seis semanas depois em outro hospital; se a carta já foi escrita, não se sabe.
Para os autores, o caso “levanta questões sobre ética médica, confidencialidade e justiça”. Na intenção de chegar a um consenso, a equipe pediu pareceres a um bioeticista médico; um advogado; e um especialista em cuidados paliativos, avaliando “que seria antiético e ilegal violar a confidencialidade do paciente durante sua vida”.
As normas aceitas de confidencialidade médica garantem que as informações só podem ser divulgadas sem consentimento se isso for necessário para evitar danos ao paciente ou a outras pessoas. Nesse caso, os crimes do paciente ocorreram décadas atrás e, em sua condição, ele dificilmente os repetiria. Portanto, violar a confidencialidade e compartilhar as informações, por exemplo, com a polícia, não significaria nada em relação a danos.
O grupo de autores refletiu se seria errado “compartilhar as informações assim que o paciente morresse”. Na visão do bioeticista, a revelação post-mortem seria “eticamente aceitável”. A advogada dá um veredicto misto: diz que um tribunal “provavelmente” concluiria que a obrigação legal original de confidencialidade permaneceria mesmo após a morte, mas que a divulgação poderia ser justificável por motivos de interesse público (por exemplo, auxiliando na investigação de casos).
Sem entrar no mérito, o parecerista do Journal of Clinical Ethics, identificou o que chamou de uma pequena falha no caso: a discussão se baseia na suposição de que o paciente era realmente um assassino. “Não estou dizendo que acho provável que a confissão desse paciente seja falsa. No entanto, a possibilidade existe, é relevante para as questões éticas do caso”.
Ademais, ele afirma que há quem defenda que “uma vez que o paciente é um assassino que escapou da justiça, ele perdeu qualquer direito à confidencialidade”.
Qual seria a resposta mais adequada? Quem se arrisca a opinar?
Fontes: Discovery magazine e Bioethics.com
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