Desde as primeiras (e tímidas) discussões sobre Bioética no Brasil Regina Ribeiro Parizi Carvalho milita nesse campo: fez história, ao participar da fundação da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), em 1995, ao lado de ícones na área, como Marco Segre, William Saad Hossne e Volnei Garrafa, entre outros.
Durante a gestão dela na presidência do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), especificamente em 2002, foi criado um – pioneiro – Centro de Bioética em entidade profissional de saúde, algo que vingou e dá certo até hoje. Regina também colaborou (e muito) em debates de origem ética e bioética, no período em que ocupava a vice-presidência do Conselho Federal de Medicina (CFM).
Com toda essa bagagem, não por acaso foi eleita e reeleita à presidência da SBB, entre os anos de 2013 e 2017, deixando o cargo durante o XII Congresso Brasileiro de Bioética, em setembro, em Recife-PE
Tanta experiência levou à condução tranquila da SBB?
Os desafios básicos em reestruturação de uma entidade pequena “e descapitalizada” e de chegar a um diálogo comum, junto a pessoas de profissões diversas da sua, até que foram simples, perto do resultante de um cenário dramático em vários níveis no país. “Jamais imaginaríamos enfrentar esta crise gigantesca e generalizada, exatamente em nossa área – ética e/ou moral”, revelou, em entrevista concedida ao Centro de Bioética do Cremesp.
Aliás, a segunda concedida ao site do Centro, durante a gestão dela na SBB.
Confira, a seguir, a nova conversa.
Por Concília Ortona
CBIO – Como uma entidade voltada a refletir sobre valores morais lidou com a crise em vários níveis, como a que se acirrou nos últimos anos?
Regina – Jamais imaginaríamos enfrentar um cenário traduzido em uma crise gigantesca exatamente em nossa área, ou seja, em ética e/ou moral, e generalizada em todos os setores. Deparamos com algo de uma dramaticidade, extensão, profundidade, que, em um primeiro momento, nos deixou quase paralisados. Como respirar diante daquele volume sistemático de denúncias, guerra de informações com nuanças de terrorismo midiático? Simplesmente ninguém sabia em quem acreditar.
Enfim, chegou um determinado momento em que a SBB começou a se manifestar, por meio de suas posturas na mídia e em editoriais. Foi quando se tornou visível que, independente dos ataques voltados a fragilizar pessoas e partidos, entrou em curso uma política destinada a vulnerabilizar, de novo, os vulnerados do Brasil.
Quero dizer, mais uma vez, quem está pagando a conta são os pobres, que sofrem mais do que os demais, com a piora nas condições de saúde e educação.
Só aí passou a ficar claro o lugar que uma Sociedade que tem como paradigma a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos se colocaria. O lado dos mais desprovidos de qualquer recurso.
CBIO – Parece ser importante uma postura como esta, em um momento em que a população parece exausta e sem condições de reação e, por isso, vulnerável...
Regina – É verdade.
As pessoas parecem estáticas perante outro golpe, depois de terem sofrido tanto, e por anos, e vivenciado uma imensa desigualdade. Estão tão fragilizadas que parecem sucumbir. Mas é justamente este o papel de quem atua em Bioética: de se levantar e falar em favor dos mais oprimidos, mesmo que seja por meio de uma entidade modesta como a SBB.
Apontar tudo isso foi um dos objetivos em nossa prestação final de contas, aqui no XII Congresso Brasileiro de Bioética, à qual chamamos de “Uma Ética de Compromissos” – porque foi nisso que nos pautamos, além da estruturação da entidade em si.
Ou seja, reforçarmos o nosso compromisso ético e bioético, por meio de documentos e publicações e da difusão de valores em eventos e em entrevistas.
Sob este ponto de vista – de compromissos – cumprimos o assumido em 2013. Lógico, não com a extensão ou na profundidade necessária para mudanças mais significativas no panorama, mas uma porta foi aberta.
CBIO – Depois de duas gestões, de 2013 a 2015, e de 2015 a 2017, a senhora deixa a presidência da SBB. Quais foram os ganhos e dificuldades neste período?
Regina – Se uma palavra pudesse resumir este período, seria “desafio”.
Trata-se de uma sociedade que ainda não tem um número grande de sócios, por algumas razões.
Por exemplo, exige uma complexidade e um conhecimento transversal, em um país que ainda não conta com perfis tão amplos de formação cultural.
Demanda ainda que a pessoa saia de sua área profissional estrita e tenha curiosidade por buscar outros conhecimentos.
E, obviamente, por se tratar de uma entidade cuja característica é lidar com questões e valores éticos e morais, não tem nenhum apelo comercial, no sentido de se obterem apoios para eventos e, assim, divulgar mais a Bioética.
Não se trata de um campo como a área clínica, diagnóstica, nas quais os próprios setores específicos têm interesse em ajudar a patrocinar encontros, já que o nosso “produto” são reflexões éticas e morais.
CBIO – A interdisciplinaridade facilita ou dificulta o contato entre as pessoas na área?
Regina – Foi outro desafio importante para mim, que já havia presidido entidades médicas: pela primeira vez encabecei um grupo multi e transdisciplinar, no qual precisei aprender a lidar com pessoas plurais e outra formação profissional e, por isso, com formas diversas observar e discutir conflitos.
Aquilo que podia ser bom aos médicos, não servia, por exemplo, ao campo do Direito, das Ciências Sociais; ou de outras de Humanidades.
Mas, no sentido de ganho pessoal, foi um ótimo aprendizado e a coisa mais enriquecedora dos últimos anos.
No começo, claro, o que pesava mais as era o fato de a entidade estar descapitalizada. Então, as questões mais estruturantes acabavam se impondo como prioridade, protelando as ações para o avanço em Bioética.
Quando as coisas se conjugam, você tem a equipe certa, equipamentos que ajudam, o associado percebe e responde, como ocorreu no XII Congresso Brasileiro de Bioética: os presentes verbalizaram sua satisfação com o mandato que estava se encerrando. A entidade foi capaz de fazer com que se sentissem representadas perante a população.
CBIO – O que devemos esperar da SBB agora?
Regina – Não existe motivo para disputa de poder em uma entidade que exige muito de diretoria e colaboradores. Estes precisam ter compromisso, disciplina, dedicação à leitura e tolerância junto aos colegas de outras áreas.
Por isso, ficamos muito contentes com nossos sucessores, que contam com larga tradição em discutir questões éticas e bioéticas em diferentes inserções, seja na vida acadêmica, na área de regulação, direito e da Igreja – com a pluralidade que preservamos e defendemos.
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