VIII Congresso Brasileiro de Bioética - Búzios, RJ
Gerson Zafalon- CFM; Volnei Garrafa – Redbioética/Unesco; Margareth Zoston – Escola Nacional de Saúde Pública; Giselle Tannous – Conselho Federal de Enfermagem; Alberto Neves Costa – Conselho Federal de Medicina Veterinária; Marlene Braz – Presidente da SBB; José Luis Telles – Ministério da Saúde; Armando Raggio – Conselho Nacional de Saúde
Veja entrevista com Marlene Braz, então presidente da SBB
Confira ainda entrevista com Susana Vidal, Consultora em Bioética da Unesco
José Eduardo de Siqueira diz que bioeticistas não estão "em cima do muro"
Em um universo tão marcado por dilemas de natureza ética é sempre desafiador escolher o tema “principal” a ser alvo de reflexões por parte de um – seleto – grupo de experts na área. No VIII Congresso Brasileiro de Bioética, realizado entre 23 e 26 de setembro de 2009 e que levou quase 800 participantes à (linda) cidade de Búzios, Rio de Janeiro, não foi diferente: em Bioética, Direitos e Deveres no Mundo Globalizado procurou-se discutir problemas atuais que tendem a se agravar, caso não sejam tomadas medidas urgentes.
Ao optar por tal mote, um ano atrás, a organização do Congresso foi oportuna e corajosa, pois a crise mundial que atingiu nações poderosas, como os EUA e o Japão, estava apenas se delineando. “Havia a necessidade de os bioeticistas se posicionarem sobre a dupla questão: até que ponto os direitos individuais de alguns podem se sobrepor aos direitos de todos? e que uso ideológico está sendo feito dos direitos coletivos, com vistas a suspender os direitos individuais?” ressaltou ao Centro de Bioética do Cremesp a psicanalista Marlene Braz, presidente do evento, também presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), gestão 2007/2009. (Clique aqui e confira entrevista exclusiva!)
Segundo ela, parecia adequado ainda meditar sobre temas como Igualdade e Diferença; a Cultura dos Direitos Humanos e os Avanços Tecnológicos, entre outros, estrategicamente distribuídos no programa, entre palestras, mesas-redondas e cursos.
Pioneiros
A abertura oficial do Congresso aconteceu na noite de 23 de setembro, contando com a presença de várias autoridades, entre as quais, Volnei Garrafa, presidente da Redbioética/Unesco, que traçou um pequeno histórico do desenvolvimento da Bioética no Brasil. Para ele, tal progresso ocorreu a partir de 2002, em virtude do Congresso Mundial de Bioética (que levou à Brasília 1.400 interessados em Bioética de 63 países); e pela Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, em 2006, “que trouxe à Bioética uma pauta renovada por questões sociais, sanitárias e ambientais”.
Pelo seu pioneirismo na área, o próprio Volnei foi homenageado, ao lado de outros ex-presidentes da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), como Marco Segre, professor emérito da USP, e José Eduardo de Siqueira, da Universidade Estadual de Londrina (UEL). A cerimônia foi encerrada após o debate Bioética, Visão Oriental e Ocidental, mediado pelo professor Fermin Roland Schramm, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e protagonizado pelo bioeticista Miguel Kottow, da Universidade do Chile; e Antônio J. de Araújo, da Associação Brasil Soka Gakkai.
Uma das inovações do evento havia acontecido antes, logo no pré-congresso: pequenos cursos foram ministrados por bioeticistas de renome, como Bioética e Saúde Pública, pelo professor Paulo Fortes, da Faculdade de Saúde Pública da USP (empossado presidente da SBB); Bioética Clínica, por José Roberto Goldim, da PUCRS; e O Papel da Medicina no Mundo Globalizado, José Eduardo de Siqueira, que destacou, entre outros pontos: “A Ciência enfrenta um grave problema: o complementar se torna essencial. Há excesso de pedidos de exames pré-operatórios, endoscópicos, de indicações de cateterismo cardíaco... Muita futilidade terapêutica, capaz de levar a distanásia” (morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento).
Fim da vida
É possível identificar alguma relação entre a nutrologia e a temática do fim da vida?
Sim, como deixou claro Isac Jorge Filho, ex-conselheiro do Cremesp (à época, conselheiro do CFM), em sua participação na mesa Bioética do Fim da Vida, coordenada pelo bioeticista Christian Barchifontaine, reitor do Centro Universitário São Camilo, e da qual participaram ainda Clóvis Constantino, também ex-conselheiro do Cremesp (representando o CFM) e Ciro Floriani, da Fiocruz.
“Falamos sempre sobre pacientes terminais. Existe algo mais terminal do que pessoas que passam fome todo tempo, em consequência de crises sociais e financeiras?” perguntou Isac Jorge, coordenador da Câmara Técnica de Nutrologia do Cremesp. Segundo ele, vários outros dilemas bioéticos vinculam-se à nutrologia, como aquele que questiona se a manutenção da alimentação e da hidratação é tratamento ou direito humano básico, em situação de pacientes inconscientes que têm funções vitais mantidas por aparelhos.
Coube a Clóvis Constantino abordar a ortotanásia (interrupção de procedimentos médicos para pacientes terminais que não tenham mais perspectiva de uma vida digna) aplicada ao – delicado – âmbito da pediatria e da neonatologia. Destacou, por exemplo, que, em decisões de não reanimar, pais podem ter posições diferentes do pessoal da saúde ou, mesmo, diferentes entre si o que aumenta o conflito. “É essencial contarmos com o apoio da equipe multidisciplinar, bem como, identificar o que a família deseja e o que a criança escolheria se pudesse opinar”.
De qualquer forma, salientou, situações limítrofes envolvendo neonatos devem discutidas antes do nascimento. “A sala de parto não é o local adequado para se tomar tais decisões”.
Cláudio Cohen; Roberto D’Ávila; Gabriel Oselka e Olinto Pegoraro
Direitos e deveres dos profissionais
Outro ex-conselheiro do Cremesp presente ao Congresso de Bioética foi Reinaldo Ayer de Oliveira, ex-coordenador da Câmara Técnica de Bioética e atual presidente da Sociedade de Bioética de São Paulo, que participou da mesa Direitos e Deveres dos Profissionais de Saúde ao lado de Olinto Pegoraro (UERJ/RJ); Roberto D’Ávila (CFM) e Cláudio Cohen (USP).
Em sua fala, Ayer debateu os direitos dos pacientes – em especial, os que suscitam demandas de natureza ética. “Podemos realizar o desejo de implantar próteses de silicone em travestis que querem mudar de sexo?”, exemplificou. Por sua vez, em sua palestra Bioética, Confidencialidade e Sigilo, Cláudio Cohen, professor de Medicina Legal e Ética Medica FMUSP, polemizou: “de acordo com artigos norte-americanos, 50% dos pacientes não tomam remédios conforme o prescrito. É uma prova de que eles não confiam em nós”.
Reinaldo Ayer falou sobre os direitos dos paciente
Em relação ao assunto, o coordenador da mesa, Gabriel Oselka, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp (de 2002 a 2012), foi mais longe: “Elevator Talk, artigo publicado no British Medical Journal (BMJ), deixa claro o quanto os profissionais de saúde quebram o sigilo por atitudes aparentemente ‘inocentes’, como comentar a respeito de casos identificáveis, dentro de elevadores. Precisamos ter em mente que, a partir do momento que eu me exponho, espero que o médico guarde segredo”.
Algumas Frases
“Autonomia e autodeterminação são termos diferentes. Um monge budista não tem autonomia e, sim, autodeterminação”, José Roberto Goldim, PUCRS
“O sigilo não é justificável em uma equipe multidisciplinar. O limite é o que cada um deve saber para dar continuidade ao tratamento”, José Roberto Goldim, PUCRS
“É preciso saber distinguir. Célula-tronco é uma coisa; aborto é outra; e bebê é outra”. Débora Diniz, UnB
“Nós, os estudiosos da Bioética, temos o desafio de ir contra a corrente. Somos um pequeno fermento, numa massa muito grande”, Márcio Fabri dos Anjos, São Camilo
“Para o budismo a vida humana é inestimável, visto que acreditamos que a natureza de Buda é inerente a todas as pessoas. A morte assistida, portanto, pode privar a expressão da natureza de Buda”, Antônio J. de Araújo, Associação Brasil Soka Gakkai Internacional
“Os brasileiros têm a capacidade de unir coisas antagônicas – ou aparentemente antagônicas. Conseguem então juntar – e aceitar – a inequidade e as diferenças sociais entre as pessoas. O futuro disso eu não sei”. Fermin Roland Schramm, Fiocruz
“A investigação médica nos levará, sem dúvida, a soluções extraordinárias, mas tão custosas que nos causarão tremendos gastos sociais”, José Eduardo de Siqueira, UEL
“O CFM é o Conselho de Fiscalização Profissional que mais pune seus membros”, Roberto D’Ávila, CFM
“Os recursos são escassos. Não há solução: no momento em que está alocando recursos a um, estará se alijando o outro”, Volnei Garrafa, RedBioética/Unesco
Aborto e discriminação às mulheres
As reflexões bioéticas abarcam temas “emergentes”, como classificam alguns especialistas. Figuram entre eles os que envolvem a clonagem e o emprego de novas tecnologias na área biomédica. Há, porém, os chamados “recorrentes”, causadores de polêmica sempre que surgem nas discussões: no VIII Congresso, uma das mesas-redondas mais concorridas foi Bioética do Aborto, coordenada pela professora Marilena Corrêa, da UERJ.
Em sua participação, a bioeticista Débora Diniz, da UnB, chamou de “acomodação” e “algo que contraria a lógica do estado laico” (como é o Brasil) o argumento de “objeção de consciência”, usado por profissionais da saúde para não realizar abortos legais.
“Nos detemos demais na discussão sobre ‘quando a vida começa’. Creio que não é preciso ter clareza nesse sentido, para entender os fundamentos éticos do aborto em decorrência de estupro”, desabafou. “Perguntas do tipo ‘Quando a vida começa?’são metafísicas. Não menos importantes do que outras quando se discute o aborto, mas não as únicas”.
Ao falar sobre Os dilemas e o Paradoxo da Proteção à Vida no Brasil a professora Samanta Buglione, da Univali, ressaltou que o conceito de respeito à natureza é empregado para fixar na mente das pessoas a convicção moral de que uma ação é legítima, mesmo que cause sofrimento – algo que considera “falacioso”. “Com base nessa visão de ‘respeito à natureza’ é possível, por exemplo, defender o sexismo e o racismo (...) As mulheres e os animais, por vezes, são vistos como agregados de partículas e, portanto, sem dignidade”.
Cristião Fernando Rosas, presidente da Comissão Nacional de Violência Sexual e Interrupção da Gravidez da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e, à época, delegado metropolitano do Cremesp, afirmou que barreiras de vários níveis (e descabidas) são mantidas ao aborto legal. Neste rol incluem-se barreiras de informação, entre mulheres e profissionais de saúde; administrativas, quando são exigidos documentos desnecessários, por exemplo, autorização judicial para o procedimento; e barreiras do próprio sistema de saúde.
“A Febrasgo considera que não cabe ‘objeção de consciência’ em pedido de interrupção de gestação perante risco de morte da mãe e no tratamento de abortos promovidos de maneira incorreta”, salientou.
Eleições e premiações
Durante assembléia geral extraordinária o bioeticista Paulo Antônio de Carvalho Fortes, professor titular da Faculdade de Saúde Pública da USP (N.da R. falecido em 2015) foi conduzido ao cargo de presidente da SBB na gestão 2009/2011. Tem como vice-presidentes os bioeticistas e professores Cláudio Lorenzo (UFBA); José Roberto Goldim (PUC-RS); e Sérgio Ibiapina Costa (UFP).
Paulo Fortes: presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (de 2009 a 2011)
Dezenas de trabalhos foram inscritos no Congresso, mas o vencedor acabou sendo Transexualidade e Cidadania: a Alteração do Registro Civil como fator de Inclusão Social, de Koichi Kameda F. Carvalho e Paulo Rodrigo Bianco dos Santos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Dois trabalhos mereceram menções honrosas: Identidade Bucal – da Ética à Arte do Diálogo, de Maria Júlia Coelho-Ferraz e Arquemedes Valvassori, orientados por Reinaldo Ayer de Oliveira, professor da USP e conselheiro do Cremesp; e A Falácia da Neutralidade: o Caso de um Argumento Contra a Antecipação de Partos de Fetos, de Ana Carolina da Costa Fonseca (UFCSPA).
Lançamentos do Centro de Bioética
O Centro de Bioética do Cremesp lançou seu novo livro Entrevistas Exclusivas com Grandes Nomes da Bioética (Estrangeiros) durante o VIII Congresso Brasileiro de Bioética.
Composto por 23 entrevistas, o livro traz o conteúdo de bate-papos informais estabelecidos durante vários congressos bioéticos – e, como o próprio nome diz, exclusivos – com expoentes da área como Diego Gracia, Adela Cortina e Tristan H. Engelhardt, entre vários outros. Em breve, os interessados terão acesso à obra. Aguarde!
Vale lembrar que também está sendo disponibilizada pelo Centro a 2ª edição do livro Bioética Clínica, destinado a estudantes e profissionais que atuam em (ou se interessem por) Bioética. Entre em contato com o Centro de Bioética, no telefone (11) 5908.5647 ou com a Biblioteca do Cremesp (11) 3017.9337.
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