A partir de opiniões do nosso departamento Jurídico e das nossas Câmaras Técnicas de Saúde da Mulher e de Bioética, consideramos que o uso de algemas em gestantes sob a custódia do Estado, notadamente quando em trabalho de parto, ofende a dignidade da pessoa humana nos termos dos princípios fundamentais do Código de Ética Médica.
Quando necessário e de forma justificada, o médico poderá determinar a contenção da parturiente de acordo com as práticas médicas reconhecidas (que não incluem o uso de algemas), sempre visando à tutela do bem maior que é a vida e a saúde do ser humano. Tais recomendações valem tanto para o trabalho de parto realizado em hospitais gerais como o que acontece em sistema prisional.
Entre outros pontos, a Câmara Técnica da Saúde da Mulher destacou que “a contenção com algemas tolhe a liberdade de movimentos e impede as posições adequadas ao parto, além de constituir ato desumano num momento que deve dignificar a natureza materna. (...) É importante ressaltar que a Organização das Nações Unidas (ONU) considera indigna à condição humana o uso de algemas em parturientes.”
Ao dificultar a realização dos procedimentos médicos necessários à assistência e à segurança do parto tal prática coloca em risco a vida e a integridade física da parturiente e do concepto, considerou a Câmara. “Não se pode perder de vista que a segurança do neonato, da parturiente, dos profissionais da área de saúde e de terceiros deverá ser garantida pela autoridade responsável pela custódia da gestante por outros recursos que não impliquem em tratamento cruel, desumano ou degradante”.
No mesmo sentido, a Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética considerou que os médicos não devem solicitar a algema e nem se responsabilizar pela decisão de algemar ou não, tarefa esta exclusiva das autoridades policiais, a quem cabe avaliar a periculosidade oferecida pela presa à instituição e à sociedade: não se pode esquecer que mesmo gestantes podem ser violentas e tentar fugir a qualquer custo, colocando em risco, inclusive, a vitalidade do feto.
No entanto, o médico não deve compactuar com os agravos a saúde destas pacientes, provavelmente fragilizadas (...). Enfim, “tão importante quanto garantir a dignidade das presas é garantir a autonomia do médico para prestar atendimentos, bem como a sua segurança, a segurança da equipe e a de outros pacientes”, ponderou a Câmara de Bioética.
Sobre o assunto, o Departamento Jurídico do Cremesp trouxe a tona a súmula vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal (STF), segundo a qual “só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”