O mau tempo e o transito caótico registrados no dia 29 de outubro não colaboraram para que a platéia esperada para o X Módulo de Educação Continuada comparecesse em sua totalidade. Mesmo assim, os presentes tiveram a oportunidade de compartilhar idéias e reflexões propiciadas pelos – sempre – instigantes temas da Bioética. Ou seja: o evento alcançou seu objetivo, principalmente quanto ao conteúdo.
No primeiro dia de curso, sexta-feira, foram abordados os temas Bioética Clínica, com palestra proferida por Gabriel Oselka, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp; Alocação de Recursos em Saúde, Paulo Fortes, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP; e Aspectos Éticos da Reprodução Assistida, por Marcos de Almeida e Marco Segre, respectivamente professor da Unifesp e professor emérito da FMUSP.
Todos os palestrantes em questão são membros da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética do Cremesp.
Ético ou antiético?
Durante sua fala, Gabriel Oselka lembrou que, diferentemente do que acontece em julgamentos de natureza civil e penal (quando as punições baseiam-se em códigos definidos), nem sempre o Código de Ética Médica aponta para um caminho claro e indiscutível, na tentativa de classificar o comportamento de um médico como “ético” ou “antiético”.
Para fomentar reflexões, optou pela dinâmica de apresentar exemplos de situações comuns, que levam colegas a dilemas em seu dia-a-dia profissional. Entre os casos citados esteve o de uma mulher de 42 anos, portadora de vasculite por conta de “pé diabético”, internada, que se recusa a amputar a perna, apesar de saber do risco de morte. Deve o médico fazer valer sua posição de natureza técnica e amputar, à revelia da doente? E se não amputar e ela morrer, pode ser punido?
Outros se referiram a um senhor de 82 anos, lúcido e ativo, cuja filha pede que não seja revelado o diagnóstico, sob o risco de piora; e de um paciente acompanhado em ambulatório, que tem por “hábito” roubar objetos do hospital.
Deve-se avaliar a possibilidade de alta, em benefício dos demais doentes? “Há respostas que parecem até óbvias, porém, que nos fazem perceber que não estamos acostumados a discutir questões éticas”, ressaltou Oselka.
Justos ou injustos?
Ao iniciar a segunda palestra do módulo, sobre alocação de recursos limitados em saúde, o professor Paulo Fortes provocou: “todos queremos ser justos e bons em nossas decisões. Mas quem sabe exatamente o que significa ser justo e bom, no mundo contemporâneo?”.
Tudo seria mais fácil, ressaltou, se fosse sempre possível seguir o raciocínio do filósofo Edmund Cahn, segundo o qual “se as pessoas têm igual valor, não se podem estabelecer critérios de escolhas entre elas”. Questionou Fortes: “quantos de nós, médicos, não escolhemos o paciente A ou B para ocupar a única vaga de UTI, segundo nossos próprios valores morais?”.
Sem pretender defender o mérito, o professor elencou vários critérios individuais usados para tomadas de decisão, que incluem, além daqueles meramente técnicos, outros como responsabilidade social (O paciente é pai de família ou solteiro?); existência de estilo de vida tido como “não saudável”; e a chamada “loteria ética” ou randomização, que propicia chances iguais aos envolvidos.
“Seja qual for a decisão, deve se basear no respeito à dignidade do ser humano e na não-discriminação”.
Vida ou não vida?
Quando começa a vida?
A pergunta, recorrente entre cientistas e leigos, serviu como ponto de partida para que o professor Marcos de Almeida falasse sobre os Aspectos Éticos da Reprodução Assistida – já que a resposta pode evitar vários problemas éticos possíveis em fertilização in vitro, em especial, os relativos ao que fazer com embriões excedentes; a seleção de embriões e ao chamado útero de aluguel, entre outros.
Em resumo, defendeu que, qualquer posição defendida (A vida humana começa no momento da concepção? Antes, pois os gametas já têm vida? Na nidação?) é aleatória. “O que de ‘mágico’ acontece no momento em que o espermatozóide penetra o óvulo? Deve ser o mesmo que ocorre quando o indivíduo completa 18 anos e passa a ser responsável penalmente”, ironizou.
Concordou em gênero, número e grau o professor Marco Segre. “A demarcação do início de vida, bem como, sobre o final de vida, é aleatória. Basta observar as modificações dos critérios de morte no decorrer da história científica. Já se fundamentaram em parada cardíaca, respiratória e, hoje, é encefálica”. Na opinião de Segre, “o que importa é a partir de quando queremos respeitar a vida como tal e até quando devemos fazê-lo”.
Bioética, Morte e Comunicação em Saúde
No segundo dia do X Módulo de Educação Continuada, 30 de setembro, foram realizadas três palestras: Ética Médica e Bioética; Terminalidade da Vida, ambas pelo conselheiro Reinaldo Ayer de Oliveira, coordenador da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética do Cremesp; e Comunicação em Saúde, pela professora Maria Júlia Paes da Silva, do Departamento de Enfermagem da Unesp/Botucatu.
Ao discorrer sobre Ética Médica e Bioética, Ayer traçou um painel histórico sobre as atrocidades que foram feitas em nome dos avanços científicos, em especial, as ocorridas nas grandes guerras. “Progresso científico não significa progresso da humanidade. Médicos fizeram experimentações terríveis ‘utilizando’ os judeus. Acreditavam piamente na existência de diferenças naturais entre as pessoas”, lamentou.
Mencionou, ainda, algumas diretrizes que surgiram para proteger os direitos humanos, como o Código de Nuremberg, de 1947; Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, e Relatório Belmont, 1978.
A respeito da Terminalidade da Vida, Ayer detalhou minuta de resolução elaborada por Câmara Técnica específica do Conselho Federal de Medicina (CFM), que, entre outros pontos, propõe que “seja permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”.
Fechando o ciclo de palestras do módulo de educação continuada sobre Bioética, a professora Maria Júlia Paes realizou uma – emocionante – explanação sobre comunicação em saúde, mencionando alguns “equívocos” freqüentes cometidos pelo pessoal da saúde, no trato com os pacientes. “Alguns se esquecem de que os doentes internados prestam muita atenção em tudo em volta, porque é algo muito novo, que não faz parte da sua rotina”.
Por exemplo, percebem se um enfermeiro ou residente “visita” equipamentos, em vez de ater-se a eles. “Quando demonstramos empatia? Ao nos aproximarmos, ouvirmos sensivelmente suas queixas, mantermos contato olho no olho e identificarmos seus sentimentos e perspectivas dentro daquele contexto”. Em resumo, “uma comunicação adequada serve para diminuir conflitos e mal-entendidos e atingir objetivos definidos”.
A organização das atividades deste módulo foi de responsabilidade de Gabriel Oselka, e do Reinaldo Ayer de Oliveira.
Coordenadores do Programa de Educação Continuada
Capital: José Henrique Andrade Vila
Interior: Alfredo Del Aringa e Henrique Liberato Salvador
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