XII Congresso Brasileiro de Bioética reflete sobre as várias faces da Liberdade e da Responsabilidade

Confira a entrevista exclusiva da Dr. Regina Parizi Carvalho

 

Entre os dias 26 e 29 de setembro Recife, Pernambuco, tornou-se “a capital brasileira de Bioética”, ao abrigar um Congresso marcado por reflexões coletivas e discussões tolerantes sobre Bioética, Liberdades e Responsabilidades. Como seria de se esperar de um mote tão abrangente quanto complexo, conseguiu guiar atividades diversas, que foram de aborto em microcefalia causada por Zika e outras arboviroses, aos desafios bioéticos em suicídio e transgenitalização; passando por bioética e compromisso com as gerações futuras; e culminando no debate referente ao “Brasil que queremos e o que não queremos”. 

Como nas edições anteriores, o XII Congresso Brasileiro de Bioética agregou o Congresso Brasileiro de Bioética Clínica, do CFM, agora em sua IV edição.  A primeira atividade oficial dos congressos foi a conferência Diretivas Antecipadas de Vontade, proferida pelo catedrático Rui Nunes, professor de Bioética da Universidade do Porto, Portugal. 

“Testamento Vital” 
Por Diretivas Antecipadas de Vontade (ou Testamento Vital) entendem-se determinações deixadas por escrito a serem usadas em situações em que a pessoa não puder mais se manifestar – em geral, relativas a procedimentos e tratamentos em fase final de vida. Conforme Nunes, há três anos, um cadastro nacional on line com “testamentos vitais” vêm sendo firmado em Portugal, depois de superadas dificuldades operacionais relacionadas ao sigilo e a privacidade dos dados. 
Segundo o professor – defensor obstinado da causa há 25 anos (em breve, retratado em entrevista exclusiva no site do Centro de Bioética) –, a discussão sobre decisões de fim de vida é atual e importante, em um mundo em que a democracia parecia estabelecida em vários países, mas que observa a volta “das características arbitrárias das extremas direitas”.

Na foto, o catedrático Rui Nunes (à esq, Carlos Vital, presidente do CFM)

 

“Nós, médicos, deveríamos exercer nossa responsabilidade como educadores, difundindo, orientando e garantindo que os indivíduos exercessem seu direito de escolha neste momento tão delicado de sua trajetória”, enfatizou Nunes.

Entre as autoridades presentes nas mesas de abertura dos eventos estiveram Carlos Vital Tavares Corrêa Lima, presidente do CFM; José Thadeu Pinheiro, presidente do XII Congresso Brasileiro de Bioética; José Hiran da Silva Gallo, coordenador da Câmara Técnica de Bioética do CFM; e Regina Parizi de Carvalho, então presidente da SBB que promoveu – emocionada – “prestação de contas” de natureza política, ideológica e operacional em sua gestão. 

Representando o Conselho Regional de Medicina de São Paulo no Congresso estiveram os diretores Aizenaque Grimaldi de Carvalho; Antonio Pereira Filho; Mauro Gomes Aranha de Lima, e os conselheiros Clóvis Francisco Constantino e Reinaldo Ayer de Oliveira (Coordenador do Centro de Bioética do Cremesp) 

Na foto, Ayer, Aranha e Pereira, além de Isac Jorge Filho, delegado do Cremesp

 

Violência contra crianças; aborto em microcefalia 
Entre as várias mesas-redondas realizadas no primeiro dia oficial de Congresso estiveram duas com temas capazes de gerar dores em vários âmbitos: Violência contra Crianças e Adolescentes; e Arboviroses, Microcefalia e Aborto. Desafio à Compatibilização dos preceitos de autonomia e responsabilidade. 

Na primeira, o pediatra Mário Roberto Hirschheimer, da Sociedade de Pediatria de São Paulo e delegado do Cremesp, lamentou que a punição física como “ação disciplinadora” seja perpetrada por pais que também foram vitimizados na infância. Para prevenir, explica, há leis muito detalhadas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ou seja, “não é por falta de legislação que a criança brasileira é maltratada, mas por falta de ação”. 

Também abordaram a questão Gerson Zafalon Martins, diretor da SBB; e a pediatra e psicanalista Luci Pfeiffer, coordenadora do grupo DEDICA (de defesa de Crianças e Adolescentes, vinculado ao Hospital de Clínicas do Paraná), que considerou que o “mundo adulto está doente”, por submeter crianças, a partir dos dois anos, à “violência química”, por meio de medicações psicoativas em vários tipos de associações. “É o tipo de tortura em que médicos e a fome da indústria farmacêutica fornecem as armas”. 

Ao referir-se à possibilidade de aborto em microcefalias causadas por zika e outras arboviroses, Dirceu Greco, professor de Bioética na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e eleito novo presidente da SBB, alegou que as discussões voltadas à interrupção de gestação deveriam se restringir às verdadeiras afetadas: as mulheres. “O que o homem tem a ver com isso?”, questionou. Greco trouxe dados alarmantes, segundo os quais o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de feminicídios no mundo, e, ainda, “onde ocorrem dez estupros coletivos por dia”. 

Além de Greco tal debate contou com a presença, entre outras, de Maria Ângela Wanderley Rocha, chefe do setor de infectologia pediátrica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Recife, uma das primeiras a notificar os casos de microcefalia por zika vírus, em 2015. Segundo ela, a inclusão de crianças com microcefalia severa é muito difícil, apesar de “pequenos progressos” serem possíveis, permitindo a melhoria da qualidade de vida da família em que estão inseridas. De qualquer forma, “essas crianças nasceram e nós e o Estado temos responsabilidade de cuidar delas”. 

Desigualdades e compromissos com as gerações futuras 
Em outra rodada de discussão no Congresso Brasileiro de Bioética foram trazidas à tona Bioética, Saúde Global e Cooperação Internacional, pelos professores José Francisco Nogueira Paranaguá de Santana, da Fiocruz; Thiago Rocha da Cunha, da PUC-PR, além de João Fernando Lima Schwalbach, médico do Comitê Nacional de Bioética para a Saúde, de Moçambique (em breve, entrevista exclusiva no site do Centro da Bioética), grupo formado por profissionais de saúde e leigos, voltado inicialmente à avaliação de pesquisas envolvendo seres humanos. 

Para Paranaguá, a “expressão da desigualdade” entre as nações pode ser observada na comparação entre as rendas per captas de países como Suécia e Moçambique. “No início do século XX, a renda de um cidadão sueco correspondia à de seis moçambicanos. No final do mesmo século, era de um para 600”, destacou. 

Durante a conferência Bioética e Compromissos com as gerações futuras, Volnei Garrafa, professor da Universidade de Brasília (UnB) enfatizou o compromisso da Bioética de Intervenção que, em suma, “vem desde os países do Sul e para o Sul”, propondo “uma aliança concreta com o lado historicamente mais frágil da sociedade”, isto é, defesa intransigente das populações mais carentes de todos os tipos de recursos. 

Nessa busca, segundo Garrafa, é preciso combater o imperialismo moral e o colonialismo “quanto ao saber, ao poder e à vida”. 

Outros assuntos delicados 
No XII Congresso Brasileiro de Bioética, entre as discussões que mais chamaram a atenção esteve o desafio bioético quanto ao suicídio no país. Participaram os psiquiatras Mauro Aranha, coordenador do Departamento Jurídico do Cremesp – que usou a abordagem do sociólogo francês Èmile Durkheim, segundo a qual existem três tipos de suicídio: Egoísta, Altruísta e Anômico –; Antônio Peregrino da Silva, da Universidade de Pernambuco (UPE); Ivan de Araújo Moura Fé, do Conselho Regional de Medicina do Ceará (CREMEC); e Jane Maria Cordeiro Lemos, da regional de Pernambuco da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB-PE).

Também ganharam destaque as mesas redondas sobre transexualidade e transgenitalização, coordenada por Reinaldo Ayer de Oliveira, também coordenador do Centro de Bioética do Cremesp – e que incluiu a participação da advogada transgênero Robeyoncé Lima, da Faculdade Federal de Pernambuco –; e outra, voltada à finitude da vida, que chamou a atenção para o fato de que os brasileiros, em geral, morrem mal – e com muita dor. 

Aqui, vale citar que esses três temas – Suicídio, Transgenitalização e Finitude da Vida – serão foco da próxima edição do Jornal do Cremesp. 

Eleição e o Brasil que queremos e o que não queremos 
Prevista pelo estatuto da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) a eleição da nova diretoria da SBB para o biênio 2017-2019 aconteceu em assembleia ordinária no Congresso. Como presidente foi conduzido por aclamação o médico Dirceu Greco, que fez parte de grupos como a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) e de órgãos do Ministério da OMS, UNAIDS e UNESCO, entre outros. 

Como 1º vice-presidente foi eleito Reinaldo Ayer de Oliveira, conselheiro do Cremesp e coordenador do Centro de Bioética da Casa. Atualmente é professor doutor de Bioética do Departamento de Medicina Legal, Ética Médica, Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP. 

Na ocasião, Goiânia, Goiás, foi escolhida para sediar o próximo Congresso Brasileiro de Bioética, marcado para meados de outubro de 2019, na Pontifícia Universidade Católica – PUC-GO. 
A última atividade dos Congressos foi a – enfática – mesa redonda intitulada O Brasil que Queremos e o Que Não Queremos que reuniu ex-presidentes da SBB, como Volnei Garrafa, José Eduardo de Siqueira, Marlene Brás, Cláudio Lorenzo, e Regina Parizi. Neste debate, Reinaldo Ayer de Oliveira representou o presidente eleito Dirceu Greco. 

Alguns números do Congresso 
Se forem considerados os números do evento, a proposta dos organizadores do XII Congresso Brasileiro de Bioética – Sociedade Brasileira de Bioética (SBB); Regional Pernambuco da SBB; e Conselho Federal de Medicina (CFM) – foi aceita por pesquisadores, estudantes e outros envolvidos neste campo: cerca de 600 pessoas marcaram presença no Hospital Pedro II – Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP), nos quatro dias de conferências, mesas-redondas e mini cursos. 
Foram inscritos mais de 450 trabalhos, entre apresentação oral e de pôster, algo bastante significativo, considerando-se os desafios impostos a “uma entidade relativamente nova, pois, diferente dos EUA e Europa, a Bioética só chegou ao Brasil nos anos 1990, depois da ditadura militar; ainda pequena, por exigir dos interessados curiosidade e conhecimento transversal, pela complexidade dos temas; e sem qualquer apelo comercial, devido sua característica central de abordar valores éticos e morais”, explicou Regina Parizi, ex-presidente do Cremesp, e que ocupou a presidência da SBB nas últimas duas gestões, entre 2013 e 2017. 

Na foto, Regina Parizi, ex-presidente do Cremesp e SBB, prestando contas sobre sua gestão

 

Algumas frases do Congresso 

Sobre violência contra a Criança e o Adolescente
Em consultas e tratamentos, temos o dever ético de solicitar o assentimento da criança, no nível em que ela consiga entender”, Mário Hirschheimer, Cremesp 

Vemos pais e mães descompensados, mas não podemos ter profissionais descompensados que lidam com as nossas crianças” 

“Nenhum lugar do mundo oferece terapia eficaz contra a pedofilia – trata-se de um paciente que deve ser permanentemente tratado de seu desvio de personalidade. Em casos assim, devemos acolher as crianças e tratar os pais”. Luci Pfeiffer, Grupo DEDICA, Hospital de Clínicas – PR

Suicídio 
“Falar sobre suicídio reduz muito a quantidade de suicídio (...) nenhum tratamento é eficaz a uma pessoa morta”.  Antônio Medeiros Peregrino da Silva, Universidade de Pernambuco

“Suspeita-se que existam suicídios deliberados e não como desdobramento de transtornos mentais”. Mauro Aranha, diretor do Cremesp 

Diretivas de Vontade – Finitude da Vida 
“Ter a disposição o registro das vontades das pessoas não vai resolver problemas éticos da prática clínica, nem dilemas sobre eutanásia ou tentativas de suicídio, tampouco, os sofrimentos humanos. Disponibilizar as Diretivas Antecipadas é uma importante solução para o exercício da liberdade”, Rui Nunes, catedrático da Universidade do Porto, Portugal 

“Medo de processo judicial não é motivo para desrespeitar um preceito ético sobre distanásia”, Luciana Dadalto advogada

“Não posso tirar de uma pessoa o direito de escolher como e quando quer morrer”, Sérgio Ibiapina, Instituto Camilo Filho e SBB 

Direitos humanos e Bioética Global 
“O mundo não vai ser salvo pela Ciência e, sim, pela sabedoria”, José Francisco Paranaguá de Santana, Fiocruz e SBB 

“Frente aos desmandos políticos e morais atuais, só uma ‘pessoa’ pode dar jeito: o povo”

“Pesquisadores são aqueles que desenham os ensaios clínicos e pesquisas no EUA e na Suécia. Somos testadores de remédios”. 
Volnei Garrafa, UnB e SBB; 

“O problema não é estabelecer direitos humanos, é protegê-los”, 

“Thucydides, historiador grego 395 a.C, disse que  justiça só será alcançada quando aqueles que não são injustiçados se sentirem tão indignados quanto aqueles que o são. Acrescento: A justiça só prevalecerá quando aqueles afetados e indignados pela injustiça forem capazes de se emancipar para a luta por seus direitos, sem fronteiras”. Dirceu Greco, da UFMG e SBB  

Texto: Concília Ortona
Fotos: Wesley D'Almeida


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