O Centro de Bioética do Cremesp realizou, em 30 de agosto, novo encontro dos Comitês de Bioética Hospitalar, na plenária da Sede, à Rua Luís Coelho, 26. Teve como mote os dilemas éticos e os desafios atuais presentes no universo da Doação e Transplantes de Órgãos – algo característico nesta modalidade de reunião dos Comitês, que já abordou outros temas como Objeção de Consciência; Autonomia e Paternalismo; e Transfusão de Sangue a Testemunhas de Jeová.
Participaram como palestrantes autoridades na área, como José Osmar Medina Pestana, professor titular de nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-EPM) e diretor superintendente do Hospital do Rim, trazendo o Panorama nacional e mundial no assunto; David José de Barros Machado, nefrologista dos hospitais das Clínicas da FMUSP e Alemão Oswaldo Cruz, falando sobre Transplante intervivos e novas modalidades; e Marcelo José dos Santos, professor de Enfermagem da USP, em Barreiras à Captação.
Em sua fala, o professor Medina explicou que, ainda que nenhuma droga nova contra rejeição de órgãos tenha sido disponibilizada nos últimos 15 anos, a sobrevida dos pacientes com enxerto de doador falecido vêm aumentando no período – o que eleva o Brasil ao patamar de 2º lugar em transplantes renais, em um ranking de 30 países. “De cada três transplantes que fazemos, dois é propiciado por doador falecido”.
Ao abordar os transplantes intervivos David Machado defende que este tipo de transplante é “infinitamente melhor” ao receptor, resultando em sobrevida média de 16 anos – contra 8,6 anos, no caso de órgão vindo de pessoa morta. “No Reino Unido, por exemplo, há anos estratégias em transplantes baseiam-se em campanhas que estimulem o altruísmo de doar enquanto vivo”.
Logo no início de sua explanação, Marcelo dos Santos – que durante anos trabalhou em equipes de captação no HC-SP – afirmou que tais grupos costumam deparar-se com “problemas aparentemente simples, mas sem solução”, como os que envolvem a identificação de possível doador, “apenas um, em cada oito são identificados”; e a insegurança/despreparo da equipe multidisciplinar, incluindo, de médicos.
Os Comitês
Conforme define o Conselho Federal de Medicina (CFM), “comitê de Bioética é um colegiado multiprofissional de natureza autônoma, consultiva e educativa que atua em hospitais e instituições assistenciais de saúde, com o objetivo de auxiliar na reflexão e na solução de questões relacionadas à moral e à bioética que surgem na atenção aos pacientes”.
Para tirar dúvidas operacionais e técnicas desse público em plena expansão – estima-se que, em São Paulo, atuem hoje 22 comitês, e mais 60 em fase de organização – a primeira parte das reuniões do Cremesp se volta a tal intuito e à troca de ideias entre seus participantes. Desta vez, uma das angústias compartilhadas vinculou-se “ao que fazer diante de paciente portando drogas ilícitas” – tema que, eventualmente, pode pautar outras reuniões expandidas dos Comitês.
Além dos palestrantes e interessados, estiveram presentes Reinaldo Ayer de Oliveira, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp; Janice Caron, presidente do Comitê de Bioética do Hospital Oswaldo Cruz (que ao lado de Antônio Cantero Gimenez, do Hospital do Coração/HCor, coordena esta atividade na Casa) e dezenas de representantes de instituições, como Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Hospital Municipal Doutor Arthur Ribeiro de Saboya; Hospital Santa Cruz; e OAB/SP, entre outras.
Algumas frases
José Osmar Medina Pestana:
Estima-se que sejam feitos de 50 a 60 transplantes de rim por milhão de habitantes. Isso é metade do que poderia ser feito
Se conseguirmos vencer a disparidade geográfica no Brasil, dobraremos a quantidade de órgãos disponíveis. E vamos fazer isso sem precisar “flexibilizar” as normas relativas a doadores vivos, como fizeram os EUA
No Brasil, a família que se nega a doar órgãos do falecido o faz porque tem dúvidas a respeito de qual seria o seu desejo
Em nossa área há ainda um empirismo tremendo. É algo assim, se o paciente fizer algo errado que dê certo, você fica feliz da vida
Quando vou fazer um transplante intervivos, penso muito mais no doador do que no receptor. O fato de dizer “não quero doar meu órgão” não significa que a pessoa não ame o seu parente
Se meus dois filhos precisassem de um rim, eu doaria um para cada um. Se eu precisasse do órgão, não aceitaria o de nenhum dos dois
Nunca vi um patrão dizendo “vou doar um órgão ao meu funcionário, pois sei que ele realmente precisa”. É bem o contrário: aparece alguém simples, falando “quero doar, porque sempre fui tratado por ele – o patrão – como um filho”.
David José de Barros Machado:
Um dos problemas em nossa área é incluir na fila de receptores pessoas com contraindicação ao transplante, tirando a vez de quem realmente se beneficiaria dele
Sou um defensor da doação intervivos. Se a pessoa é saudável, há riscos mínimos de mortalidade imediata associada à doação
Por vezes, existe ambivalência em meio à equipe médica se é “moralmente aceitável” cortar uma pessoa e tirar seu órgão, se ela mesma não vai se beneficiar daquele procedimento
Se eu posso oferecer ao paciente a primeira alternativa melhor (receber um órgão de um doador vivo), por que vou oferecer a segunda?
Há um estudo do HC que demonstra que o custo de um paciente dialisado é maior do que o resultante de transplante
Ainda não conseguimos alcançar um nível promissor de doações no Brasil. O que se vê são “picos” de doações, depois de campanhas específicas, inclusive, em novelas.
Marcelo dos Santos
Entre as barreiras para a notificação de um eventual doador se incluem desinteresse de membros de equipes e sobrecarga de trabalho
Há dúvidas que cercam os profissionais, mesmo os médicos, sobre desligar o ventilador mecânico de pessoa com morte encefálica. Há quem dissesse (em estudo) que não desligou por “respeito aos valores da família” ou “medo de punição legal”. Por que, se a pessoa está morta?
Na Espanha, país com um dos mais desenvolvidos sistemas de transplantes do mundo, prioriza-se o paciente com morte encefálica. Pensam: quanto mais rápido o diagnóstico de morte, mais rápido aquele leito é liberado. Quanto mais rápido se retirarem os órgãos, melhores eles serão; quanto mais rápido o receptor melhorar, mais rápida será a liberação de seu leito
Existem médicos brasileiros que dizem que a atenção aos pacientes em morte encefálica (com órgãos disponíveis para transplantes) vem depois daquela que “mereceria um paciente vivo”. Isso não é incomum: na Suécia, ao falar sobre mesmo assunto, os médicos responderam que a preferência sempre irá ao paciente com chances de sobreviver
É um pouco de ilusão considerar que todos os profissionais de saúde são favoráveis a transplantes.
* Texto: Concília Ortona, jornalista do Centro de Bioética do Cremesp
Fotos: Osmar Bustos
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