Principialismo

O “Principialismo”

A utilização de “princípios” como forma de reflexão corresponde a uma abordagem clássica e bastante utilizada em Bioética.

O Relatório Belmont – promulgado em 1978, numa reação institucional aos escândalos causados pelos experimentos da medicina desde o início da 2ª Guerra Mundial – utilizou como referencial para as suas considerações éticas três princípios básicos: a Autonomia (respeito às pessoas); Beneficência e Justiça.

O filósofo americano Tom Beauchamp, que havia participado da Comissão que elaborou o relatório Belmont, e o teólogo James Chidress, ambos vinculados ao Kennedy Institute of Ethics, publicaram, também em 1978, seu livro Principles of Biomedical Ethics, que consagrou e ampliou o uso dos princípios para sistematizar a abordagem de dilemas e problemas bioéticos.

Assim, foram apresentados os chamados Quatro Princípios da Bioética: (respeito à) Autonomia; Não-Maleficência; Beneficência; e Justiça. Adicionado aos princípios contidos no Relatório Belmont, a Não-Maleficência é compreendida pelos autores como tão relevante quanto a Beneficência – e não apenas seu oposto. Para eles, os quatro princípios são prima facie, ou seja, têm a mesma importância hierárquica entre si.

Pretendem que cada um desses quatro princípios seja tomado como “obrigatório” apenas à primeira vista: as diretrizes que fluem deles devem ser seguidas quando não se chocarem com as que surgem de um princípio diferente.

Os quatro princípios
O primeiro dos princípios de Beauchamp e Childress demanda respeito pela Autonomia. Ainda que seja um conceito filosófico controverso, é tratado pelo método em termos de escolhas autônomas ou intencionais de agentes capazes de entender o que estão fazendo, e que estejam livres de influências indevidas em suas decisões. Exige que os outros não intervenham quando alguém fizer uma escolha autônoma, mesmo que a considerem “imprudente ou tola”.

Os autores argumentam ainda que “respeitar a autonomia” requer a adoção de medidas positivas para “promover e proteger” a capacidade dos agentes de agir de forma autônoma. Por exemplo, os profissionais de saúde devem informar os pacientes sobre os recursos possíveis de tratamento para sua condição e os resultados prováveis; garantir que a informação seja compreendida; e incentivar que participem das decisões, à luz de seus próprios valores e preferências.

Em situações específicas, como alguns procedimentos e em participação de pesquisa, é aplicável o Consentimento Informado, processo por meio do qual o indivíduo deixa claras sua decisão e consciência de riscos. A partir daí pode ser necessário que leia, compreenda e dê seu ok em um documento chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O segundo princípio de Beauchamp e Childress é da Não-Maleficência, que estabelece que os profissionais de saúde não prejudiquem intencionalmente seus pacientes. Este princípio codifica o antigo pilar hipocrático médico primum non nocere: “acima de tudo, não causar danos”. Aqui, os autores indicam parâmetros como “não matar intencionalmente um paciente” e “não causar intencionalmente dor ou sofrimento desnecessário” a ele. Esse princípio poderia, por exemplo, determinar que o tratamento cessasse quando se tornasse fútil. Além disso, desempenha um papel importante na ética da pesquisa, ao proibir experimentos capazes de trazer prejuízos aos participantes, mesmo se consentirem.

Enquanto o segundo princípio de Beauchamp e Childress é largamente negativo, na medida em que veda várias ações, o da Beneficência é positivo: requer que profissionais tenham a obrigação moral de agir em benefício e no interesse dos atendidos. Ao contrário do que parece, eventuais conflitos não acontecem entre Beneficência e a Autonomia, mas sim, Autonomia e o Paternalismo – ações “paternalistas” são aquelas nas quais as decisões são tomadas pelos profissionais sem consultar as preferencias individuais dos assistidos, assumindo o que supõe “ser o melhor para eles”.  

O quarto princípio de Beauchamp e Childress é da Justiça, aplicado como sendo a expressão da justiça distributiva. Entende-se justiça distributiva a distribuição justa, equitativa e apropriada na sociedade, de acordo com normas que estruturam os termos da cooperação social. De acordo com tal perspectiva, uma situação de justiça estará presente sempre que uma pessoa receber benefícios ou encargos devidos às suas propriedades ou circunstâncias particulares.

Em Saúde, o princípio da Justiça estabelece como condição fundamental a equidade, obrigação ética de tratar cada indivíduo conforme o que é moralmente correto e adequado. O médico deve atuar com imparcialidade, evitando ao máximo que aspectos sociais, culturais, religiosos, financeiros ou outros interfiram na relação médico-paciente. Os recursos devem ser equilibradamente distribuídos, com o objetivo de alcançar, com melhor eficácia, o maior número de pessoas.

“Moralidade comum”
A partir de críticas de filósofos e bioeticistas que trabalham com outros modelos bioéticos – entre as quais, de que o método de Beachamp e Childress carece de “fundamentação teórica profunda” –, na quarta e quinta edições de Principles of Biomedical Ethics é apresentada uma nova justificativa para sua metodologia principialista.

Enquanto em edições anteriores os autores justificaram sua escolha de princípios em termos da convergência de teorias éticas sobre eles, as mais recentes sustentam que os princípios oferecem uma teoria da “moralidade comum” – mas não filosófica – compartilhada por membros de uma sociedade, a partir de senso comum e tradição.

Fontes:

Encyclopedia of Bioethics, 3rd edition Stephen G. Post
Principialismo, José Roberto Goldim, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

Veja também em Bioética para Iniciantes

Autonomia

Não-Maleficência 

Beneficência 

Justiça 


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