Sociedade Plural

Por Concília Ortona, do Centro de Bioética do Cremesp 

Com número expressivo de participantes, o Cremesp realizou em sua sede, em 4 de abril, a plenária temática Ética em uma Sociedade Plural, com conferência proferida pelo catedrático português Rui Nunes, diretor do Departamento de Ciências Sociais e Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). Durante cerca de duas horas o simpático professor, também coordenador do curso de Doutoramento em Bioética da FMUP, trouxe opiniões sobre o que chamou de valores “universais” da Bioética, como o respeito à autonomia e justiça enquanto equidade. 


Clóvis Constantino, João Ladislau e Rui Nunes na mesa de abertura do evento

O evento foi aberto pelo presidente do Cremesp, João Ladislau Rosa, e coordenado pelo conselheiro corregedor Clóvis Constantino – que há tempos desenvolve atividades acadêmicas conjuntas com o Nunes, entre Brasília, no Conselho Federal de Medicina (CFM), e o Porto. Logo no início de sua fala, o professor deixou claro que, apesar das especificidades de cada nação e cultura, “seria mais fácil se houvesse repostas claras em um código”, existem “valores universais” possíveis de serem adotados em um debate bioético global. 

“Nem sempre há consenso e isso é parte da Bioética, pois o tempo das verdades absolutas já passou. A Bioética é filha da democracia”. Citou como exemplos diferenças de pontos de vista em relação ao eventual “valor absoluto” da vida humana; quanto ao uso ético de embriões em estudos; e ao conceito de “dignidade”. 

Valores universais 
Nesse quesito, o primeiro a ser lembrado foi um dos quatro princípios elaborados por Beauchamp e Childress, do Kennedy Institute of Ethics: a Autonomia – ou o Respeito à autonomia. “Quando o testamento vital começou a ser discutido em meu país, em 2006, houve quem acreditasse que os portugueses não teriam condições de decidir por ‘não contarem com o mesmo grau de desenvolvimento dos nórdicos’, por exemplo. Ao aprovar por unanimidade lei sobre o assunto demonstramos nossa autodeterminação”. 

Outros valores universais ressaltados pelo catedrático basearam-se na ética hipocrática de “fazer o bem e não fazer o mal”, além da Justiça enquanto Equidade – teoria que teve entre os principais expoentes o filósofo John Rawls, que se propõe a distribuir entre pessoas um bem escasso. 

“Tão grave quanto à falta de justiça é a justiça relativa”, reclamou, abordando situação que causou revolta de pacientes e familiares em instituições hospitalares de seu país, em que pessoas iguais em circunstâncias iguais eram tratadas de formas diferentes – isto é, algumas com privilégios. 

Testamento vital 
Um dos temas “mais caros” ao professor corresponde às diretivas Antecipadas de Vontade (também conhecidas como Testamento Vital), propostas por ele ao governo português em 2006, por meio da Associação Portuguesa de Bioética. Depois de suscitarem um intenso debate nacional sobre a própria importância e a legitimidade, as Diretivas foram aprovadas por unanimidade pela Assembléia da República (o órgão legislativo do Estado português), tornando-se lei em 2012. 

“Legalizar o Testamento Vital foi uma conquista civilizacional, que chegou em um momento em que a sociedade portuguesa se mostrava plenamente convicta de seu direito ao exercício da liberdade e da autodeterminação individual. As pessoas provaram que são capazes de fazer escolhas e exprimi-las, demonstrando uma nova ética”, destacou Nunes. 

Por fim, vários dos presentes encaminharam perguntas ao catedrático. Entre eles formularam questões os conselheiros do Cremesp Reinaldo Ayer de Oliveira, coordenador do Centro de Bioética, e Antônio Pereira Filho; além de Regina Parizi, ex-presidente do Cremesp e atual presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) 

Em breve, o Centro de Bioética do Cremesp disponibilizará entrevista exclusiva com o professor Rui Nunes. Aguarde! 

Mais pensamentos do professor Nunes

“A Bioética surgiu em Portugal em uma fase de diminuição do grau de tolerância com os erros médicos e éticos”

“Não é importante se muitas ou poucas pessoas façam diretivas antecipadas. Não é uma questão de números e, sim, de respeito aos direitos humanos” 

“Se a vida humana fosse considerada por todos como um valor absoluto a decisão de não reanimar jamais seria respeitada”

 “Em um sistema de saúde justo ninguém que necessitasse ficaria de fora da rede nacional de cuidados paliativos”

“É inexplicável que uma das sociedades mais desenvolvidas do planeta, como a da Bélgica, legalize a eutanásia a crianças”.


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