Segundo definição de Dennis Thompson, professor de Ética da Harvard University – publicada no New England Journal of Medicine, artigo Understanding Financial Conflicts of Interest – conflito de interesses corresponde “a uma série de condições nas quais o julgamento do profissional, no que diz respeito aos interesses primários (bem estar de um paciente ou a validade de uma pesquisa), tende a ser indevidamente influenciado por um interesse secundário (obter um ganho financeiro)”.
Embora seja presença recorrente na literatura médica e, ainda, dentro das discussões Éticas e Bioéticas, raramente o tema – em especial, o enfoque relação entre pesquisador/indústria farmacêutica – figura como centro do debate, como ocorreu no Simpósio Bioética e Conflito de Interesses, realizado no dia 11 de setembro na sub-sede Vila Mariana do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), sob a organização do Centro de Biética e Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética do Cremesp.
Durante quase oito horas, médicos, membros de Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e da Câmara Técnica de Bioética do Cremesp, além de alunos de especialização em Bioética do Instituto Oscar Freire (USP), ouviram palestras e participaram de mesas-redondas: Conflito de Interesses – A Experimentação em Seres Humanos correspondeu ao assunto apresentado pela manhã por Elma Zoboli, professora do Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da USP, e comentado por Paulo Lotufo, superintendente do Hospital Universitário da USP (HU) e editor da Revista da APM, Susie Dutra, psicóloga e representante de usuários na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e Eduardo Motti, diretor-executivo da Eurotrials, organização que desenvolve serviços de consultoria e investigação na área da Saúde.
No período da tarde, o Simpósio abordou A Pesquisa Clínica e a Indústria Farmacêutica, com exposição de Dirceu Greco, professor titular do departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais (UFMG) e, ainda, representante brasileiro em assuntos relacionados às modificações da Declaração de Helsinque. Da mesa, também fizeram parte Caio Moreira, presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia e Sônia Dainese, da Aventis Pharma e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica SBMF.
Por que falar sobre os conflitos?
“O Conselho tem o dever moral de avançar nas discussões relacionadas à Ciência Médica, ao exercício da profissão, à dignidade dos profissionais que atuam nesta área e, acima de tudo, ao interesse e à segurança dos assistidos. Em última análise, precisamos debater e aprimorar os assuntos para a proteção da sociedade, no que diz respeito à sua saúde” , lembrou Clóvis Constantino, presidente do Cremesp, na abertura do evento.
Na verdade, a idéia do tema surgiu da percepção de que “apesar de existirem instâncias competentes de análise ética, como Conep e Ceps, chama a atenção a freqüência reduzida com que a questão dos conflitos de interesses aparece durante a avaliação das pesquisas. Obviamente, nem sempre esses conflitos são de fácil resolução e, por isso, consideramos válidas todas as tentativas de deixá-los cada vez mais transparentes”, opinou Gabriel Oselka, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp.
Conflitos, graves?
Como concluíram quase todos os participantes, eventuais conflitos de interesses entre investigadores e indústria aparecem mesmo, e não são necessariamente “imorais” – contanto que expressados de forma clara. Por exemplo, uma das condições para a condução de um projeto de pesquisa ético é a exposição dos seus financiadores.
A gravidade das conseqüências dos conflitos depende de o quanto “o julgamento profissional será influenciado – ou, ao menos, parece ser – pelos interesses secundários e da gravidade do dano ou erro que podem resultar de tal influência”, argumentou Elma Zoboli em sua explanação. “Nosso papel resume-se em reconhecer o que é o conflito e controlá-lo. Controlar a indústria, que é ‘cachorro grande’, a gente não consegue...” polemizou Dirceu Greco, em palestra ministrada à tarde.
No decorrer do encontro, várias outras polêmicas vinculadas ao tema vieram à tona. Em dado momento, ao referir-se aos especialistas que comparecem a congressos “a convite” de indústrias, Paulo Lotufo provocou: “sinto mais confiança na opinião de diretores clínicos e de médicos contratados de empresas do que na dos 'especialistas convidados'. Porque os empregados na indústria preservam, antes de qualquer coisa, o seu prestígio entre os pares da própria indústria”.
Nem os chamados “sujeitos” foram poupados: defendem seus próprios interesses ao participarem das pesquisas, trouxe o Simpósio. “Querem entrar num projeto de pesquisa, mas receber um tratamento efetivo. Não pretendem ser expostos a um risco exagerado e almejam prioridade nas suas necessidades”, reconheceu Eduardo Motti.
Para Reinaldo Ayer de Oliveira, conselheiro do Cremesp e coordenador da Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética, boa parte dos objetivos do Simpósio foi cumprida. “Os resultados demonstraram-se bastante favoráveis. O assunto foi adequadamente aprofundado graças aos expositores escolhidos, que superaram as expectativas”.
De acordo com Reinaldo Ayer e Gabriel Oselka, outras áreas passíveis da ocorrência de conflitos de interesses ganharão destaque em futuros eventos promovidos pela Câmara Técnica e Centro de Bioética. Prevêem, ainda, que a íntegra do simpósio Bioética e Conflito de Interesses, voltado ao pesquisador/indústria, deverá ser lançada, em breve, em uma publicação específica.
Box: Conflitos em comentários
Precisamos pensar sobre como um país pobre como o Brasil pode lidar com o financiamento de uma indústria tão importante aos nossos futuros protocolos científicos, sem que este financiamento interfira na ação dos nossos pesquisadores. Dirceu Greco
Quem quer conduzir as coisas para colocar no mercado chega a romper normas. Entretanto, não é possível satanizar a indústria, porque interesses existem em todos os meios. Exemplo? Dentro da Universidade cansamos de repetir “nosso bem é servir o paciente” só que, às vezes, em nome de ensinar, fazemos coisas que talvez não sejam tão boas para eles, como despi-los na frente de dez, doze pessoas. Elma Zoboli
Nosso doente é pressionado e isso leva a uma autonomia limitada. Conta com uma assistência precária e, então, quando a indústria farmacêutica, por meio do pesquisador, acena a um atendimento diferenciado, possibilidade de exames especiais, isso o fascina. Então, o nosso sujeito de pesquisa é um vulnerável. Susie Dutra
Não há qualquer impeditivo moral ou ético à existência de conflito de interesses. A questão básica é a declaração ou a transparência de intenções. Paulo Lotufo
Essenciais são a transparência e a exposição dos conflitos. Têm lugar dentro do consentimento que o paciente (sujeito de pesquisa) assina e dentro de um contrato de estudo clínico a ser celebrado entre patrocinador, o investigador e a instituição. Trata-se de uma prática recente, capaz de equacionar muitos conflitos de interesses que observamos na prática. Eduardo Motti
A indústria não rejeita o conceito de que as interações (com médicos) tenham impacto. É óbvio. Porque senão, não investiria tanto em marketing. Na verdade, o que existe é a necessidade de promover esforços adicionais, no sentido de treinar os profissionais quanto a tais interações. Sônia Dainese
Há estudos demonstrando que, para influenciar o médico, a indústria farmacêutica cria vínculos de dependência que acabam levando a distorções, não só na obrigação primária dos médicos em tratar de seus pacientes, mas também noutras atividades, como as de ensinar e pesquisar. Caio Moreira
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