O IX Congresso Brasileiro de Bioética, realizado entre 7 e 10 de setembro em Brasília pela Cátedra UNESCO de Bioética/UnB, em parceria com a Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e Conselho Federal de Medicina (CFM), foi marcado por discursos que defenderam a “Bioética Global”, que busca um diálogo comum entre as nações em temas relevantes, como alocação de recursos em saúde e defesa dos mais vulneráveis.
Neste caminho, trouxe conferências e mesas-redondas abordando, entre outros assuntos, A Bioética Sem Fronteiras; Responsabilidade Social e Saúde, e Bioéticas, Poderes e Injustiças – aliás, mote já abordado há uma década, quando do VI Congresso Mundial de Bioética, também em Brasília. Em resumo, propôs-se à defesa de um discurso global capaz de levantar pontos em comum dentre as várias nações, em especial, as submetidas a injustiças.
Injustiças Este tom do Congresso esteve presente desde sua abertura oficial, na noite de 7 de setembro, e que contou com as participações do ministro da Saúde, Alexandre Padilha; o presidente do Congresso, Volnei Garrafa (Unb); o então presidente da SBB, Paulo Fortes (que passou o cargo ao presidente da gestão 2011/2013, Cláudio Lorenzo,
da Universidade de Brasília –UnB), além do presidente do CFM, Roberto D’Ávila. Conforme salientou Garrafa, contrariando a lógica de que o poder propicia justiça, “no campo científico e tecnológico consegue aumentar as distâncias, já enormes, entre pobres e ricos”.
A palestra inicial, Bioética Sem Fronteiras, proferida em 8 de setembro pelo professor dinamarquês Henk Ten Have, trouxe vários casos marcados pelo descaso e desrespeito ao ser humano: entre eles, mencionou denúncia formulada por um jornalista de Gana, África, sobre pacientes que não recebiam atendimento porque os enfermeiros e médicos optaram por assistir televisão. “Apesar de conhecido, sua divulgação não suscitou nenhuma atitude”, lamentou.
Outra situação citada pelo professor da da Duquesne University,
Pittsburgh, referiu-se a estudante de Medicina de Minnesotta, EUA, que denunciou a morte de um sujeito de pesquisa em estudo sobre novo fármaco. O desfecho foi diferente, em relação ao caso de Gana: anos depois, o laboratório patrocinador do estudo veio a público e reconheceu sua responsabilidade.
“O importante é dar luz a tais violações dos direitos humanos, envergonhar e responsabilizar os culpados, para que algo seja efetivamente mudado”, salientou Have, que defendeu o incentivo de grupos de apoio aos mais vulneráveis, como crianças, sem-teto e doentes.
Especialistas Também imbuídos nesse espírito, falaram vários experts estrangeiros como Susana Vidal, consultora de da UNESCO, que destacou: “queremos falar de injustiças não apenas quanto há má distribuição de recursos em saúde. Queremos falar também sobre desigualdades, iniqüidade e inacessibilidade aos bens básicos, tudo o que afeta a qualidade de vida de nossos povos”.
Já Sören Holm, editor do Journal Of Medical Ethics, preferiu enumerar campos em que a Bioética obteve as maiores transformações na última década, como em sua relação com a Saúde Pública, área em que houve mudança de paradigma. “Em vez da valorização apenas da autonomia individual, passou-se a pensar também na saúde coletiva da população”.
Susana Vidal, Henk Ten Have e Sören Holm, além de vários outros especialistas estrangeiros presentes ao Congresso, foram entrevistados, com exclusividade, pelo site do Centro de Bioética do Cremesp. Aguarde íntegras!
Brasileiros Importantes bioeticistas brasileiros também estiveram presentes, como José Eduardo de Siqueira, da Universidade Estadual de Londrina (UEL); Márcio Fabri e Léo Pessini, do Centro Universitário São Camilo, além de Reinaldo Ayer de Oliveira e Gabriel Oselka, do Cremesp e da Universidade de São Paulo (USP).
Como seria de se esperar, o IX Congresso de Bioética trouxe, além da ênfase à bioética politizada, temas conhecidos como “persistentes”, entre os quais, Eutanásia e Suicídio Assistido e Uso de Placebo em Pesquisas Clínicas.
Bioética Clínica Paralelamente ao evento principal, aconteceu o I Congresso Brasileiro de Bioética Clínica, presidido por Roberto D’Ávila, presidente do CFM (veja mais detalhes clicando aqui).
As atividades do Congresso de Bioética Clínica foram fechadas “chave de ouro” com a fala do ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal/STF, “iniciado” na Bioética por sua participação em julgamentos envolvendo o uso de células-tronco em pesquisas e abortamento de fetos anencefálicos.
Sobre o aborto, Ayres Brito se manifestou de maneira clara: “é crime, sendo que foi concebido pela negação da vida, da interrupção de uma vida viável. Porém, quando se fala em anencefalia, por mais duro que seja o feto será um natimorto cerebral, jamais será alguém. É uma crisálida, que jamais chegará à borboleta”.
Algumas frases do Congresso
- O grupo de profissionais de saúde sempre foi distinguido pela sensibilidade moral forte. Jose Carlos Abellán, Universidad Rey Juan Carlos de Madri
- “Bioética Global” é apenas um nome que não significa nada, é só esperança. Maurizio Mori, Universidade de Pisa
- Entregamos tantos direitos aos pacientes que deixamos de lado os interesses dos profissionais. Jose Carlos Abellán, universidad Rey Juan Carlos de Madri
- O poder é distribuído de maneira injusta e os recursos são distribuídos desigualmente por toda a sociedade. Sören Holm, editor do Journal Of Medical Ethics
- O reconhecimento do outro é fundamental em Bioética. É o outro quem clama pela atenção à sua vulnerabilidade. Márcio Fabri, professor do Centro Universitário São Camilo
- Temos que avaliar quem ganha e quem perde com as novas tecnologias. Jan Helge Solbakk, consultor de bioética da UNESCO/Noruega
- Um dos critérios para a permissão da eutanásia nos países baixos refere-se à presença de “sofrimento insuportável”. Mas há consenso sobre o que seja ‘sofrimento insuportável’? Sofrimento psicológico pode ser ‘insuportável’? Johannes van Delden, University Medical Center, Utrecht, Holanda
- As novas tecnologias, com certeza, pioram o momento de morrer. Leo Pessini, bioeticista e padre brasileiro