Primeira situação: médico atende ambulatório pelo Sistema Único de Saúde (SUS), faz diagnóstico de varizes em membros inferiores de paciente e indica cirurgia eletiva, como parte do tratamento. Porém, informa que não realiza cirurgia pelo SUS.
Segunda: outro profissional atende paciente conveniado em consultório, mas explica que não faz o procedimento pelo convênio.
Perguntas: Estes médicos podem realizar as cirurgias em caráter particular? São obrigados a promovê-las pelo SUS ou pelo convênio?
De forma simples e pragmática, os questionamentos formulados poderiam ser respondidos que a conduta a ser seguida depende das normas e regras acordadas entre o médico e o seu contratante, sendo este o Estado (SUS) ou empresas de prestação de serviços na área da saúde.
Entretanto, entendemos que as questões merecem reflexão e maior aprofundamento teórico, à luz da ética e da visão holística da prática da arte e da ciência médica.
Nenhuma novidade há no fato de a prática médica ter mudado radicalmente nas últimas décadas, devido a uma multiplicidade de fatores. Assim como outras relações humanas, a relação médico/paciente sofre impactos, às vezes, desastrosos, em razão do enorme avanço tecnológico; influência da mídia; da mercantilização progressiva das atividades profissionais etc.
Autêntico profissional liberal há pouco tempo, o médico foi obrigado a se adaptar às circunstâncias e às mudanças da prática profissional.
Provavelmente, o fato que resultou em maior impacto na relação médico/paciente foi a introdução da figura do intermediário nesta relação, sendo este o próprio Estado ou empresas prestadoras de serviços na área de saúde.
Nas últimas décadas, nos empenhamos especialmente em garantir que tal situação não “contamine” a relação médico/paciente. Esta tarefa, de hercúleas proporções, leva bioeticistas a investirem esforços e tempo, a fim de mostrar que a ausência de uma relação saudável entre o médico e seu paciente inviabiliza a medicina de qualidade – desejo de todos nós.
Para Sir Willian Osler “A prática da medicina é uma arte, não um consórcio; um chamamento, não um negócio; um chamado no qual nosso coração deve ser usado tanto quanto nossa cabeça”.
Neste ponto da discussão, vale a pena imaginarmos como ficaria a relação/médico paciente, quando o último é informado de que há indicação de um procedimento cirúrgico, porém, que este só seria realizado sob a forma de remuneração privada.
Em nossa opinião, na proposta acima está embutida uma total inversão de valores éticos e morais. Por exemplo, como ficaria a relação médico/paciente se o atendido concordasse com a “sugestão” e houvesse qualquer imprevisto ou complicação no ato cirúrgico?
Os fatos colocados não correspondem a meras elucubrações teóricas. Constituem-se em realidades do dia-a-dia da prática médica, que vêm se acumulando e têm levado a uma distorção, por parte da sociedade, a respeito do verdadeiro sentido da nossa profissão.
Finalmente, acreditamos que seja absolutamente legítima a busca por melhores condições de trabalho e de remuneração digna. A rigor e de forma ideal, a prática médica só deveria ocorrer nos locais que apresentassem condições mínimas para a promoção integral (não fragmentada), de determinada especialidade médica.
Veja a íntegra do Parecer nº 104.152/03, do Cremesp
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