Nova área de atuação

Hoje, nasce um novo médico. Um profissional voltado a desempenhar sua crença e seu compromisso em favor do cuidado da vida e não da doença, pautado na construção de um conhecimento vindo da fusão de vários saberes.

As palavras (emocionadas) acima, proferidas pelo paliativista Ricardo Tavares de Carvalho, um dos mestres de cerimônia do IV Congresso Internacional de Cuidados Paliativos, de 6 a 9 de outubro, referiram-se ao anúncio oficial da Medicina Paliativa como área de atuação do médico, feito pelo presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Roberto Luiz d’Ávila. Além de D’Ávila, a mesa principal contou com Sílvia Barbosa e Roberto Bettega, respectivamente, presidente e vice-presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), organizadora do evento.

Faltam alguns detalhes formais antes de a proposta de criação da área ser submetida ao plenário do CFM. Por exemplo, a Associação Médica Brasileira (AMB) indicará que especialidades têm interface com a área, além da Clínica Médica, Cancerologia, Geriatria e Gerontologia, Medicina de Família e Comunidade e Pediatria, permitindo o estabelecimento de programas de residência e centros de formação.

Mas, na prática, pela regulamentação anunciada no encontro ocorrido no Instituto de Ensino e Pesquisa (IED) do Hospital Sírio-Libanês, prevê-se empenho pela melhora na qualidade do atendimento a pacientes portadores de doenças crônicas e incuráveis ou que estejam em fase final de vida. Porém, a mudança mais importante relaciona-se à exigência de formação específica em Medicina Paliativa.

É o “Educar para Paliar”, trazido no mote do Congresso, empregado em forma de cursos, simpósios, mesas-redondas e encontros com o professor, disponibilizados no evento.

Diretrizes de Vontade
Assunto sempre lembrado ao se falar em Cuidado Paliativo, as Diretrizes Antecipadas de Vontade (documentos que permitem à pessoa transmitir decisões sobre cuidados de fim de vida, quando ainda estiver consciente) foram discutidas no primeiro dia de Congresso, entre outros, pelo bioeticista José Eduardo de Siqueira, membro da Câmara Técnica de Terminalidade, do CFM. 

Em resumo, o professor incentivou o médico a agir como espécie de “facilitador” da autonomia do paciente, na expressão de seus desejos.

Se a atitude é correta, sua prática ainda não é fato: de acordo com estudo abrangendo dez UTIs brasileiras, realizado pelo palestrante Jefferson Piva, professor da PUC/RS, a decisão relativa à limitação ao suporte de vida é feita isoladamente pelo médico, quando deveria ser compartilhada com a família.

Educar para Paliar
Grandes reflexões e debates focalizando treinamentos dos médicos também fizeram parte do Congresso, e envolveram competências básicas em cuidados paliativos, como lidar com o paciente terminal e sua família, avaliação sistêmica – nas esferas física, psicológica, social e espiritual –, abordagem dos sintomas físicos comuns, princípios de manejo da dor física/uso de opióides e suporte psicossocial.

Lawrence Librach, diretor do Temmy Latner Center for Palliative Care do hospital canadense Mount Sinai, expôs o projeto Pallium Canada de treinamento à distância para profissionais da saúde na área de cuidados paliativos e terminalidade da vida. O modelo envolve comunidades que partilham conhecimento, comunicação on line, conferências e formação de profissionais. “É preciso adaptar o método às culturas regionais e mantê-lo atualizado periodicamente”, recomendou.

Humanização e políticas de medicamentos
A IV sessão plenária do Congresso Internacional de Cuidados Paliativos abordou a terapêutica básica em cuidados paliativos e a política de medicamentos para o Brasil.

Sob a coordenação de Roberto Bettega (que seria eleito depois presidente da próxima gestão da ANCP), teve entre os destaques a presença do oncologista argentino Eduardo Bruera, diretor da International Association for Hospice and Palliative Care (IAHCP), falando sobre a importância do trabalho dos paliativistas em conjunto com médicos de outras especialidades, como os oncologistas.

Bruera defendeu ainda a humanização do atendimento médico, em detrimento da valorização da doença. “Há muita ênfase às doenças e não há atenção suficiente às pessoas”. Além disso, o oncologista disse que os paliativistas devem desenvolver atitudes realistas, abertas e sinceras, perante os atendidos. “O paciente se sente melhor com isso, não pior”.

Na mesma mesa, a também oncologista Maria Inês Gadelha, coordenadora do Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama (Sismama) do Ministério da Saúde, abordou a política nacional de medicamentos. “Qualquer sistema de saúde precisa promover uma relação de medicamentos essenciais, empregando critérios que sejam técnicos e cientificamente comprovados. Têm de ser seguros, eficazes e efetivos”, concluiu.

Cuidado Paliativo, no novo Código de Ética Médica

Segundo definição da Organização Mundial da Saúde (OMS) Cuidado Paliativo é a abordagem que promove qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, através de prevenção e alivio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outro problemas de natureza física, psicossocial e espiritual.

Iniciativas pulverizadas na área acontecem há cerca de 30 anos no Brasil, mas ganharam vulto com a criação, em 2005, da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP) e, mais recentemente, com a inclusão do tema no Código de Ética Médica, nos Arts. 36 e 41, além do item XXII dos Princípios Fundamentais.

Tal item determina que, nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.

Também teve enorme importância a Res. CFM n° 1.805/2006, que permite ao médico, na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.

Suspensa durante três anos por decisão liminar, a Resolução sobre Terminalidade, como é conhecida, voltou a ser validada pela Justiça no dia 1° de Dezembro de 2010.

Entrevista: “Aqui se morre mal”

Antes da abertura do Educar para Paliar, Maria Goretti Sales Maciel, presidente da Comissão Científica do encontro; Ricardo Tavares de Carvalho, presidente da Comissão Organizadora, e Henrique Parsons, do Anderson Cancer Center, convidado internacional, gentilmente concederam entrevista exclusiva à reportagem do Cremesp. Confira alguns trechos:

Cremesp – A revista The Economist avaliou o acesso aos cuidados paliativos em 40 países e o Brasil ficou em 38° lugar. Aqui se morre mal?

Goretti – A revista considerou que sim, por falta de uma assistência específica: o cuidado paliativo. Nosso sistema de saúde ajuda as pessoas a nascerem, a receberem diagnósticos e tratamentos, mas não a morrerem.

No Brasil, há duas situações lamentáveis: ou a porta do hospital é batida na ‘cara’ do paciente terminal, ou a assistência é dada de modo desproporcional, direcionando recursos pesados e ineficientes ao tratamento de doenças sabidamente incuráveis.

Cremesp –  Por que há médicos que não reconhecem quando garantir a vida com recursos extremos serve apenas para prolongar o sofrimento do doente?

Ricardo – Nós, médicos, fomos treinados com essa forma exagerada de tratar porque costuma funcionar. O avanço científico é indiscutível e é ótimo quando objetiva a assistência de um doente com intercorrência, um problema agudo que o coloca em condição de risco de morte iminente.

Só que tal conhecimento não se aplica a pessoas com uma realidade diferente. Ao contrário, pode agregar um ‘monte’ de danos, sem nenhum tipo de benefício. Não consegue mudar o rumo final da história, que é a morte.

Cremesp – O médico está disposto a participar do debate sobre terminalidade e cuidado paliativo?

Ricardo – O médico dificilmente se insere no debate por considerar não ser este “o seu papel”. Porém, não existe ninguém que agregue o mesmo conhecimento científico do médico para tomar uma decisão clínica. É uma questão de atribuição: o médico é o único capaz de dar respostas a várias perguntas de pacientes e seus familiares.

Goretti – Muitos colegas consideram cuidados paliativos como uma coisa menor. Em médio prazo, conseguiremos mudar essa realidade, já que o fortalecimento da área vem acontecendo nos últimos 30 anos. Uma de nossas principais vitórias acontece hoje, com o reconhecimento como área de atuação, para a qual é necessário se estudar.

Cremesp – Por fim, se for seguido o padrão ouro britânico sobre Cuidado Paliativo, o Brasil necessitaria de 10.000 leitos na área, mas conta com cerca de 300. Como mudar?

Goretti – É preciso Educar para Paliar. Legitimar a prática, envolver profissionais.

Henrique Parsons – Sim, precisamos dessa quantidade enorme de leitos, porém, com pessoal gabaritado para ‘tocar' esses leitos. Por conta de certificações, todo mundo hoje diz que oferece “cuidado paliativo”, mas essa lógica não pode avaliada pelo número de leitos disponíveis.


Esta página teve 152 acessos.

(11) 4349-9983
cbio@cremesp.org.br
Twitter twitter.com/CBioetica

Rua Frei Caneca, 1282 - Consolação - São Paulo/SP - CEP: 01307-002

CENTRAL DE ATENDIMENTO TELEFÔNICO - (11) 4349-9900 das 9h às 20h

HORÁRIO DE EXPEDIENTE - das 9h às 18h