Demorou mais de um ano desde que começou a ser planejado, mas o Simpósio de Bioética Hospitalar no Hospital Geral de São Mateus, zona Leste de São Paulo – mais um da série coordenada pelo Cremesp, em parceria com a Sociedade de Bioética de São Paulo – aconteceu no dia 29 de setembro. Ao que tudo indica, a espera valeu a pena: os presentes ao anfiteatro daquela instituição acompanharam atentamente às palestras relativas à Bioética no Cotidiano Hospitalar e à Autonomia do Paciente, fazendo, em seguida, perguntas e colocações.
O evento foi aberto oficialmente por volta das 9h20 pelo vice-presidente do Cremesp, Renato Azevedo Júnior, que destacou: há anos o Conselho busca incentivar as questões voltadas à Bioética, por meio de atividades promovidas, em especial, pelo seu Centro de Bioética e Câmara Técnica Interdisciplinar dirigida ao tema. “Faz parte de nossas prioridades fomentar discussões sobre Bioética Hospitalar”, reconheceu. “O benefício é do paciente. Debates como este abrem novas possibilidades de diálogo entre médicos e atendidos e, como consequência, de decisões éticas compartilhadas”.
Em seguida, falou Reinaldo Ayer de Oliveira, presidente da Sociedade de Bioética de São Paulo e conselheiro do Cremesp, que classificou o Hospital de São Mateus como “um coração pulsante” na tradição do humanismo, que se amplia além de suas instalações. Como comentaria depois a diretora técnica do Hospital, Maridite Cristovão Gomes de Oliveira, o Comitê de Bioética local funciona desde 2008, reunindo-se mensalmente “com todo o ânimo para buscar soluções éticas para superar dificuldades que sempre existem em um hospital público como o nosso”.
Bioética no Cotidiano Durante a palestra Bioética no Cotidiano Hospitalar, Reinaldo Ayer de Oliveira abordou tanto a ética no sentido individual, que se manifesta diante de situações de conflito, quanto a ética (ou a falta de ética...) do coletivo, citando como exemplo de abusos contra a humanidade aqueles impostos por Hitler e outros defensores do nazi fascismo, que empregavam valores próprios – e equivocados – para promover atrocidades contra semelhantes.
A Declaração de Universal de Direitos do Homem, de 1948, surgiu justamente para reafirmar os valores humanos a serem respeitados. Porém, como disse Ayer, não evitou outras injustiças, como critérios de diálise empregados na década de 60 – que deixavam em último lugar na lista de candidatos as prostitutas negras, grupo vulnerável – e a “experiência” antiética realizada em Tuskegee, no Alabama, EUA, em que homens negros não foram tratados contra a sífilis (apesar de existirem remédios) para que se verificasse o desenvolvimento natural da doença.
Por fim, enfatizou: “a pessoa não nasce ética. A ética é construída, a partir do nosso primeiro núcleo, que é a família”.
Autonomia do paciente Logo no início de sua fala, Gabriel Oselka, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp, explicou que o princípio bioético de Autonomia é relativamente novo na história da Medicina: na verdade, ao estimular decisões éticas e clínicas compartilhadas com o paciente, contraria frontalmente a tradição paternalista hipocrática de nunca falar ao paciente “aquilo que ele não precisa saber”.
E por que tal conceito ganhou espaço no país de alguns anos para cá?
Um dos motivos é a valorização dos “termos de responsabilidade”, empregados durante décadas em algumas instituições de saúde: no ato da internação, o paciente autorizava o corpo clínico local a fazer quaisquer procedimentos necessários, inclusive, transfusão de sangue e autópsia. “Quando a Comissão de Bioética do Hospital das Clínicas assumiu, uma de suas primeiras atitudes foi defender que documentos do gênero nem sempre efetivam a autonomia do paciente e, de forma alguma, podem substituir o ato de esclarecer aos doentes e seus familiares”.
Ainda sobre Autonomia, destacou situações capazes de criar grandes conflitos, como a chamada “alta a pedido”, em especial, a solicitada por familiares de pacientes pediátricos. “Quando há risco de morte, agravamento da doença ou de sofrimento para a criança, busca-se exaustivamente demover a família de retirá-la do hospital. Se não for possível, a solução é contar com o apoio dos juízes da vara da infância e da juventude, para que a guarda do paciente seja provisoriamente passada para o hospital, em melhor benefício do doente”.
Para embasar tal raciocínio, Gabriel Oselka citou caso relacionado à alta a pedido e risco de morte de criança, que chegou à instância jurídica suprema da Inglaterra, a Câmara dos Lordes. “Em seu veredicto, o juiz do caso avaliou que, em certo momento da história da humanidade, a sociedade organizada decidiu que quem melhor cuida de crianças são seus pais. Porém, se em um dado momento essa mesma sociedade decidir que eles não estão cumprindo o dever de proteger os filhos, é licito que assuma esse papel”.
Experiência do Comitê de Bioética e Perguntas As palestras foram encerradas pelo pastor Manoel Ramires Filho, membro do Comitê de Bioética do Hospital de São Mateus, que fez um relato da experiência do grupo em dois anos de existência.
Mencionou que, entre os objetivos do Comitê, estão o de refletir à respeito de dilemas bioéticos que surgem na instituição; assessorar o corpo clínico, como órgão consultivo, além de propor normas e rotinas, com base em princípios como Dignidade e Humanização.
Ao final, a platéia participou do debate com várias perguntas, que incluíram: autonomia do adolescente; o direito do paciente de saber quando está com alguma doença grave, à revelia da família; e situações em que o paciente recebe alta, mas seus parentes não o aceitam de volta.