Já está virando regra: os encontros sobre Bioética Hospitalar organizados pelo Cremesp e Sociedade de Bioética de São Paulo invariavelmente tem uma procura significativa. Não foi diferente no evento acontecido no dia 15 de setembro, na Maternidade Escola Vila Nova Cachoeirinha: o anfiteatro ficou cheio de médicos – especialmente, residentes – e de outros profissionais de saúde, interessados no debate bioético voltado a assuntos delicados, como limites de tratamentos a recém-nascidos em fase final de vida.
Logo na abertura, o ginecologista Krikor Boyaciyan, diretor do Cremesp, lembrou sobre os dilemas éticos surgidos concomitantemente a feitos científicos como, por exemplo, “a descoberta da estrutura básica do DNA”, datada dos anos 50. Ao seu lado, na mesa principal, o também ginecologista Augusto Cezar Oliveira Andrade, membro da diretoria técnica da instituição; Mirian Ribeiro de Faria Silveira, diretora clínica, e Reinaldo Ayer de Oliveira, conselheiro do Cremesp e presidente da Sociedade de Bioética de São Paulo, que informou da criação recente de uma Comissão de Bioética na Maternidade, “numa clara expressão de ética institucional”.
Conceitos Coube a Ayer trazer aos presentes alguns Conceitos da Bioética. Entre os “marcos morais” desta área de conhecimento citou o Código de Nuremberg, de 1947 (conjunto de princípios éticos que regem a pesquisa com seres humanos, estabelecido por ocasião de tribunal homônimo que julgou crimes perpetrados pelos nazistas durante a 2ª Guerra Mundial); e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948.
Lembrou ainda do caso de experiência antiética realizada por cientistas norte-americanos no condado de Tuskegee, no Alabama, EUA, que durante 40 anos deixaram sem tratamento e sem informação centenas de homens negros com sífilis, com o “simples” objetivo de estudar a história natural da doença. “É incrível como o ser humano consegue chegar a tal grau de desrespeito com seu semelhante”, enfatizou Ayer. “Progresso científico não é sinônimo de progresso da humanidade”.
De acordo com as demandas Conforme a proposta dos Simpósios de Bioética Hospitalar, a temática a ser abordada é sugerida pela diretoria dos hospitais, segundo as demandas de seu corpo clínico.
No caso da Maternidade Escola Vila Nova Cachoeirinha – caracterizada pelo atendimento em vários âmbitos da saúde da mulher, especialmente na assistência às gestantes de alto risco e seus bebês – fizeram parte do rol de assuntos debatidos os Limites da Viabilidade Perinatal e Reanimação Neonatal em Situações Especiais, apresentados pelo pediatra Gabriel Oselka, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp.
Oselka iniciou sua palestra contando um caso de uma criança que nasceu com múltiplas malformações incompatíveis com sua sobrevivência, mas que, mesmo assim, foi reanimada várias vezes quando em parada cardiorrespiratória. “Apesar de todos concordarem que, perante a morte iminente, o melhor seria parar de insistir e deixar que aquele bebê descansasse em paz, uma das chefes do serviço não concordava em limitar o tratamento. Argumento: achava que não tinha mais idade para passar uma noite na cadeia, se alguém quetionasse a sua atitude”.
Segundo o coordenador do Centro de Bioética, alguns medos infundados continuam levando os médicos a agirem contra o que julgam ser o real benefício ao seu paciente. Oselka enfatizou que até hoje nenhum médico foi condenado na justiça por limitar tratamentos nessas situações extremas e autorização familiar. Mencionou, ainda, o ponto de vista de vários juristas de renome que defendem, em resumo, “que não há dever jurídico de prolongar uma vida irrecuperável”.
Em relação a outro temor recorrente – punição no Cremesp – destacou que, hoje, o próprio Código de Ética Médica traz em seus princípios fundamentais e em artigo o direito de o médico, se quiser e com a concordância do paciente e de sua família, parar de empregar recursos extraordinários e inúteis.
Por fim, colocou em cheque o ponto de vista daqueles que usam argumentos religiosos para pedirem investimento terapêutico ilimitado.
Como contou, em 1957 o Papa Pio XII afirmara que não haveria pecado em renunciar aos chamados meios extraordinários e desproporcionados. Além dele, João Paulo II, em 1995, em sua encíclica Evangelium Vitae afirmou: “quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam apenas um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes”.
Depois das apresentações foi aberto espaço para perguntas, que disseram respeito à viabilidade fetal e ainda, à real validade do Termo de Consentimento Esclarecido.
Algumas frases
O tema “Ética Médica” sempre se fez presente ao longo dos mais de 30 anos de nossa instituição. Augusto Cezar Oliveira, representante da Diretoria Técnica da Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha
Espero que nossos residentes não percam a humanidade, como acontece quando os médicos chegam aos 50, 60 anos e vão “endurecendo”. Miriam Ribeiro de Faria Silveira, Diretora Clínica do Nova Cachoeirinha
A Ética é sempre um conflito. A pessoa não nasce ética. Reinaldo Ayer de Oliveira, conselheiro do Cremesp
Sala de parto não é local para se tomarem decisões éticas... Quando o diálogo não foi possível anteriormente, o correto é reanimar a criança em parada cardiorrespiratória e depois decidir junto com a família. Gabriel Oselka, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp
A melhor postura perante situações delicadas é a de cautela e sinceridade. Gabriel Oselka, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp
Não adianta ser o melhor médico possível no âmbito técnico se não se souber ouvir o paciente, Miriam Ribeiro de Faria Silveira, Diretora Clínica do Nova Cachoeirinha
Não devemos nos esquecer jamais de que o princípio que nos move é a dor humana. A vida é nosso valor fundamental. Reinaldo Ayer de Oliveira, conselheiro do Cremesp