02-06-2005

Quebra de patentes de remédios contra a Aids

PROJETO DE LEI nº 22/2003
Deputado Roberto Gouveia (PT-SP)
  
Inclui a invenção de medicamento para prevenção e tratamento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – SIDA/ AIDS e de seu processo de obtenção como matérias não patenteáveis.
 
O Congresso Nacional decreta:
  
Art. 1º O ART. 18 da Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso IV:
 
“Art. 18 ..........................................................................
.......................................................................................
IV – o medicamento, assim como seu respectivo processo de obtenção, específico para a prevenção e o tratamento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – SIDA/ AIDS.”
 
Art. 2º . Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
 
JUSTIFICAÇÃO 
  
Homenageando o ex. Deputado Eduardo Jorge, que não mais integra as fileiras do  legislativo federal reapresentamos o seguinte projeto de lei que foi de sua iniciativa na legislatura passada.
 
O exame da Lei n.º 9.279/96 leva á conclusão que as proteções conferidas, direta ou indiretamente, a inventor de produto ou processo nos artigos 42, 44, 68, 69, 73 em dispositivos dispersos, são tão amplas que, em muitos casos, podem levá-lo a praticar abuso econômico ou comerciais com o amparo da própria lei.
 
O setor industrial que está mais apto a proceder de tal maneira é, sem dúvida, o de química fina, mais especificamente as indústrias farmacêuticas. Não é por acaso que o “lobby” dessas indústrias é muito ativo, tanto no Poder Legislativo como no Executivo, como se constata pelas atuações que está a mover no sentido de protelar ao máximo a aplicação da Lei n.º 9787/99, conhecida como Lei dos Genéricos, ou de influir nas regulamentações governamentais para aplicação da mesma.
 
Atualmente, a humanidade está enfrentando um dos maiores problemas de saúde de todos os tempos – a pandemia da AIDS – que continua a espalhar-se e a matar milhões de pessoas a cada ano, apesar de todo o conhecimento científico acumulado até hoje. Atualmente, estima-se em 30 milhões o número de infectados em todo o mundo. Destes, cerca de 22 milhões são africanos, habitantes principalmente, dos países pobres ao sul do Saara. A edição de 9 de junho de 1999 da revista “Veja” relatou o drama por que passa aquele continente. Dela retiramos alguns trechos abaixo, para ilustração:
 
“Há uma bomba de efeito retardado plantada no coração da África. Ela matará mais de 22 milhões de homens mulheres e crianças no decorrer da próxima década. O número é 200 vezes maior que o de todas as vítimas da bomba atômica que destruiu Hiroshima, em 1945. Ou 100 vezes o total de mortos na Guerra do Vietnã (...) Desde o começo da epidemia de AIDS, no início dos anos 80, já morreram 11,5 milhões de pessoas vítimas da doença na África meridional, número quase igual ao da população da cidade de São Paulo (...) na África subsaariana, em 1997, 1,5 milhão de crianças ficaram órfãs em decorrência da AIDS, o que eqüivale a mais de 90% do total mundial. (...) Nem mesmo o país mais rico do continente foi poupado pela matança causada pelo HIV. Em pouco mais de uma década, a África do Sul viu brotar praticamente do nada 2,9 milhões de casos, deixando um rastro de 360.000 mortos (...) A África do Sul, com suas minas de ouro e diamante. Tem orçamento anual de aproximadamente 10 milhões de dólares para a AIDS, isto não dá para pagar nem mesmo o AZT necessário para reduzir as chances de as gestantes contaminadas infectarem seus bebês.”
 
O governo daquele país não está conformado e nem se considera de mão atadas para tentar reverter esta situação calamitosa. Há dois anos foi aprovada uma Lei que permite que empresas locais produzam versões genéricas de drogas patenteadas para a AIDS, ou as importem de países onde sejam mais baratas. Existe, como seria de esperar, rações de fabricantes multinacionais. Conforme aponta o jornalista Philip Shenon, em matéria assinada no “The New York Times”, publicada em português no Brasil:
 
“A indústria farmacêutica dos Estados Unidos, com a ajuda do governo Clinton, está tentando proteger suas patentes, impedindo que países em desenvolvimento que sofram com a epidemia da AIDS possam produzir versões genéricas de alguns medicamentos, que atualmente são caros para a maioria das vítimas da AIDS fora dos EUA. As companhias farmacêuticas estão alarmadas com os esforços da África do Sul para permitir que empresas locais produzam versões genéricas de drogas patenteadas para a AIDS ou importem essas drogas de países onde são mais baratos (...) Por meio de batalhas judiciais na África do Sul, empresas americanas conseguiram até agora bloquear a lei, introduzida há dois anos, que reduzirá o preço das drogas antiaids, permitindo que sejam fabricados localmente ou importados sem a permissão dos proprietários das patentes. (...) Nos EUA, essas drogas podem custar mais de US$ 10 mil por ano a um único paciente. As drogas são vendidas na África do Sul a um preço semelhante. (...)”
 
O Brasil tem, aproximadamente, 600 mil portadores do vírus da AIDS, o HIV. Segundo previsão do Banco Mundial, na década de 80, o Brasil teria 1,2 milhão de brasileiros infectados no ano 2000. Desses 597 mil portadores incluem-se as pessoas que já desenvolveram AIDS e excluem-se os óbitos. Diferente da notificação dos casos de AIDS, os dados de HIV são estimados.
 
Nesse vôo cego não podemos aceitar passivamente os exorbitantes preços dos medicamentos específicos para o tratamento da AIDS impostos aos infectados e aos cofres públicos. O projeto de lei que ora apresentamos tem o mesmo intuito da lei sul-africana, qual seja, a possibilidade de indústrias locais produzirem medicamentos intercambiávies. O produto intercambiável é o equivalente terapêutico de medicamento inovador ou de referência. O País precisa tratar seus doentes da forma mais eficiente possível. Se é permitido ao interessado local produzir o genérico, e seguramente o preço de venda será menor que o medicamento de marca, estaremos, no futuro, sendo mais eficientes que no presente: remédios menos caros, menores despesas com saúde pública e mais postos de empregos oferecidos.

ROBERTO GOUVEIA
Deputado Federal PT

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