Mudanças em importante diretriz
ética são discutidas em São Paulo
O Grupo de Trabalho dedicado a propor sugestões à revisão da Declaração de Helsinki – do qual participam membros do Brasil, África do Sul, Alemanha, Japão e Suécia – reuniu-se em São Paulo entre os dias 19 e 21 de agosto. Trata-se da primeira vez que ocorre reunião para esta finalidade, desde que a Declaração de Helsinki foi escrita em 1964, na capital da Finlândia.
Como forma de iniciar os debates realizou-se, entre os dias 19 e 20 de agosto, o Fórum Ética e Pesquisa/Revisão da Declaração de Helsinki, sob organização da Associação Médica Brasileira (AMB), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Mundial (sigla em inglês, WMA, de World Medical Association).
De acordo com a dinâmica estabelecida pelas entidades e explicitada por José Luiz Gomes do Amaral, presidente da AMB e coordenador do evento, os pontos eventualmente controversos e sugeridos pelo novo texto da WMA (veja íntegra) foram apresentados e debatidos pela mesa principal e submetidos à platéia.
Posteriormente, nos dias 20 e 21 de agosto, as sugestões foram apresentadas ao grupo revisor, para análise e eventual inclusão ao texto da nova versão da Declaração. De acordo com a assessoria de imprensa da AMB, a responsável pelo Comitê Ética da WMA, Eva Nilsson, disse que fará um “rascunho do documento, que deve estar pronto até o meio de setembro”. Esse material será apresentado na reunião do Comitê, se for aprovado, será levado para a Assembléia Geral da Entidade, em meados de outubro.
Dentre os temas colocados em destaque para modificação mereceram destaque o uso de placebo em situações em que há tratamento efetivo; pesquisas envolvendo crianças; e continuidade do acesso ao medicamento após o experimento, aos “sujeitos de pesquisa”.
Placebo
A respeito do uso do placebo, por exemplo, o novo texto adiciona um “desdobramento” ao seu item 32, no qual pondera que este pode ocorrer “quando, por razões metodológicas convincentes e cientificamente sólidas for necessário, a fim de determinar a eficácia ou segurança de um método e os pacientes que receberem o placebo – ou não receberem nenhum tratamento – não estejam sujeitos a qualquer risco adicional de danos graves e irreversíveis”. Na versão 2004 da Declaração, este parágrafo aparecia apenas como “nota de esclarecimento” ao corpo do texto.
Representante brasileiro há vários anos nas discussões para modificação de Helsinki o professor Dirceu Greco, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), demonstrou-se contrário a tal modificação. “O que está sendo sugerido significa ‘pode-se usar placebo se não aleijar ou não matar’”.
Durante a mesa O uso do Placebo nas Situações em Que há Tratamento Efetivo, coordenada por Giovanni Guido Cerri, da AMB, Greco resume a tônica dos debates que costumam acontecer sobre o tema. “Há quem defenda o uso de placebo em ‘doenças leves’. Se o homem ficou careca a vida inteira, o que custa passar placebo na cabeça por mais seis meses?’” questiona. “Por outro lado, os contrários alegam que o objetivo de uma pesquisa é a comparação com a terapia já existente, e não com uma substância inócua”.
Nesta etapa do Fórum, as opiniões também se dividiram. “A Medicina concentra pelo menos um valor absoluto: o bem-estar do paciente. Não é possível flexibilizá-lo. Não dá para usar placebo quando existe a possibilidade de ajudar pessoas” disse Edson Oliveira Andrade, presidente do CFM. “Nos transtornos mentais o uso do grupo-controle com placebo é considerado essencial na determinação da eficácia de medicamentos”, discorda o psiquiatra Márcio Versiani, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Crianças e adolescentes
Voluntários deste grupo podem participar das pesquisas? Temerosa em incluir em seus estudos representantes de grupo considerado vulnerável – e sofrer retaliações legais decorrentes de eventuais danos resultantes da pesquisa – a indústria farmacêutica, em geral, limita a inclusão de crianças nos testes de novos tratamentos e drogas. Porém, existem experts que consideram importante tal participação, tanto para benefício dos próprios sujeitos de pesquisa quanto com vistas a possibilitar que outras crianças tirem proveito de uma droga eventualmente boa, só que avaliada somente em adultos.
Como consenso, os presentes à mesa coordenada por Murillo Ronald Capella, da AMB, destacaram a importância de se garantir o benefício direto aos sujeitos de pesquisa “mirins”; os cuidados efetivos a este grupo vulnerável; e o respeito à opinião da própria criança e adolescente, quanto a participar ou não das pesquisas.
“Há um número imenso de drogas que poderiam ser úteis às crianças, para as quais não houve pesquisas específicas”, salientou Gabriel Oselka, professor da FMUSP e coordenador do Centro de Bioética do Cremesp. “Isso é ainda mais crítico ao empregá-las em UTIs”, concordou Délio Kipper, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS)
Acesso
O item 30 da versão 2004 da Declaração havia mantido o que versava textos anteriores, ou seja, que, ao final do estudo, “todo paciente que participou deveria ter assegurado o acesso aos melhores métodos preventivos, diagnósticos e terapêuticos comprovados e identificados pelo estudo”. Agora, a WMA considera que o conteúdo de tal parágrafo, a ser suprimido, é contemplado pelo que consta do item 14 sugerido, ou seja, que “o protocolo de pesquisa deverá descrever o que foi acordado sobre acesso pós-estudo aos voluntários quanto a métodos identificados como benéficos no estudo ou acesso a outros cuidados ou benefícios apropriados”.
Nem todos os participantes da mesa O Acesso ao tratamento pós-investigação coordenada por Roberto D’Avila, conselheiro do CFM – que lembrou, a Declaração não é uma lei e, sim, uma espécie de Carta de Princípios – concordam o tal raciocínio. José Araújo Lima Filho, representante de usuários na Conep considera que, muitas vezes, participar de uma pesquisa é a esperança na qual o voluntário tenha a se agarrar. “Na hora em que termina o estudo, precisa ter o direito a continuar usando a droga”.
Apesar de considerar “inadmissível” interromper o uso de medicação experimental se isso representar risco de morte ao sujeito de pesquisa, o endocrinologista Freddy G. Eliaschewitz, do hospital Heliópolis, salienta: “no end point da pesquisa nem sempre temos todos os dados relevantes. Isto é, nem sempre sabemos se a droga testada é a melhor para o voluntário. Pesquisa é pesquisa, tratamento é tratamento”.
Outros pontos de vista
Pequenas ou grandes mudanças?
As sugestões que se tornaram foco dos principais debates em relação às eventuais mudanças à Declaração de Helsinki dizem respeito a três tópicos fundamentais: acesso dos voluntários da pesquisa aos tratamentos, ao término do estudo; participação de crianças nos experimentos e a “flexibilização” ao uso de placebo.
De uma forma mais branda tais modificações éticas já estavam presentes quando das duas últimas revisões de Helsinki, nos anos de 2002 e 2004.
Veja a seguir algumas práticas que podem mudar, de acordo com o site da WMA:
Participação de crianças
O item 4˚ da declaração revisada em 2004 destaca: “o progresso médico está baseado em pesquisa e, em última instância, tem que ocorrer, muitas vezes, na experimentação em seres humanos”. A sugestão é se acrescentar a este parágrafo (que se tornaria item 5˚) a frase “as populações sub-representadas na pesquisa deve ter acesso apropriado à participação nas pesquisas”.
A necessidade de consentimento informado é tratada no item 20 da versão 2004 da resolução de Helsinki. Este assunto, agora, é central no item 22 sugerido, que permite a participação de pessoas que não decidem por si – como crianças. De acordo com o novo texto, em situação como esta, a participação depende da consulta aos membros da família ou comunidade, mas esta só pode ser envolvida em pesquisa se concordar livremente em fazê-lo.
Para completar o tópico referente à participação de sujeitos legalmente incompetentes física e mentalmente (que não devem ser incluídos a menos que a intenção seja promover a saúde do grupo ao qual representa e se houver a possibilidade de participação de outro legalmente competente) aconteceu uma inclusão ao texto de 2004, (agora no item 27). O estudo pode ser realizado se acarretar “somente riscos mínimos e ônus mínimo na ausência dos benefícios para o sujeito potencial”.
Acesso dos voluntários a medicamentos
O item 8˚ atual, em resumo, versa sobre a necessidade de atenção a vulneráveis que participam de pesquisas, sugerindo proteção a alguns grupos, como os que “não se beneficiarão pessoalmente da pesquisa”. Tal parágrafo foi retirado da nova versão, pois, na avaliação da WMA “é muito natural o fato de que a pesquisa não pode determinar ou garantir que os sujeitos tirarão benefícios das intervenções pesquisadas”
Um dos parágrafos contidos no item 13 da versão de 2004 de Helsinki determinava que um comitê independente deveria avaliar o protocolo em conformidade com as leis e regulamentos do país no qual a experiência de pesquisa é realizada. A proposta atual modifica este tópico para “este comitê deverá levar em consideração as leis e regulamentos do país ou países onde a pesquisa será realizada”.
A WMA argumenta que os comitês de ética em pesquisa devem ter autoridade para aprovar ou não protocolos de pesquisa, mas ressalta que se “se a pesquisa for conduzida em um país que não seja aquele em que vigora tal comitê de aprovação, seus membros devem assegurar que não haja conflitos entre a proposta do protocolo e as leis e regulamentos locais”.
No item 14 sugerido foi adicionado um parágrafo contido na nota de esclarecimento presente na revisão de Helsinki/2004. Reza ele que “O protocolo de pesquisa deverá descrever o que foi acordado sobre acesso pós-estudo aos voluntários quanto a métodos identificados como benéficos no estudo ou acesso a outros cuidados ou benefícios apropriados”.
Para a WMA, este parágrafo contempla o que havia sido dito no parágrafo 30 da versão 2004 de Helsinki (a ser suprimido), ou seja, “ao final do estudo todo paciente que participou deve ter assegurado o acesso aos melhores métodos preventivos, diagnósticos e terapêuticos comprovados e identificados pelo estudo”.
Placebo
O parágrafo 29 da versão 2004 da Declaração deixava claro que deveriam “ser testados os possíveis riscos, benefícios, cargas e eficácia de um método novo contra aqueles do melhor método existente, preventivo, diagnóstico e terapêutico comprovado”. Agora, o que a WMA sugere é que, no corpo deste item, seja acrescentado o que anteriormente constava apenas como “nota de esclarecimento”.
Isto significa que, a versão a ser debatida em outubro pela WMA, avaliará como item 32: os benefícios, riscos, ônus e eficácia de um novo método devem ser testados contra àqueles dos melhores métodos comprovados de uso corrente, exceto nas seguintes circunstâncias:
Veja a comparação entre a versão 2004 e a ora sugerida no site da WMA
19-10-2022
19-10-2022
21-02-2020
27-01-2020
23-11-2019
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09-10-2019
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