Morte Materna

A Morte materna é definida como a morte de uma mulher durante a gestação, parto ou puerpério até 42 dias, independentemente da duração ou da localização da gravidez. Excluem-se causas acidentais ou incidentais. Reconhecida como um importante indicador da qualidade de saúde ofertada para as pessoas, fortemente influenciada pelas condições socioeconômicas da população.

 Em média, 40% a 50% das mortes maternas são evitáveis. O atraso no reconhecimento de condições modificáveis, na chegada ao serviço de saúde e no tratamento adequado, está entre as principais causas das altas taxas de mortalidade materna ainda presentes na maior parte dos estados brasileiros. 

O Dia Internacional de Ação Pela Saúde da Mulher foi definido no IV Encontro Internacional Mulher e Saúde que ocorreu em 19841, na Holanda, durante o Tribunal Internacional de Denúncia e Violação dos Direitos Reprodutivos, ocasião em que a morte materna apareceu com toda a sua magnitude.

Nessa data foi assinada no Brasil em 2003, a Portaria Nº 1.1192, regulamentando a vigilância ao óbito materno, onde as mortes maternas notificadas como os óbitos de mulheres em idade fértil, independentemente da causa declarada, são consideradas eventos de investigação obrigatória, com o objetivo de levantar fatores determinantes, suas possíveis causas, assim como subsidiar a adoção de medidas que possam evitar a sua reincidência.

Histórico dos Comitês

Os ingleses iniciaram em 1952 a primeira Investigação Confidencial sobre Mortes Maternas. Os resultados serviram como base para o desenvolvimento de medidas eficazes de prevenção dos óbitos. O fato foi tão positivo, que as investigações continuam se realizando até hoje, com publicação periódica de relatórios.

Posteriormente, motivado pelos temas apresentados na Internacional Conferencie on Safe Motherhood, realizada em Nairóbi em 1987, um grupo de mulheres desencadeou um movimento pela implantação de um comitê para estudos da morte materna.

Em nosso meio, essa luta deu seu primeiro passo em 1984 quando foi criado, pelo Ministério da Saúde, o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM) que teve por base a redução da morbidade e da mortalidade feminina pela implantação de ações coletivas direcionadas a esta população.

Mas foi a partir de 1987 que, de fato, se deu o desenvolvimento dos comitês de morte materna em todo o Brasil. Com o apoio do Ministério da Saúde, formaram-se os primeiros comitês municipais no Estado de São Paulo. Em seguida, o movimento ganhou maior dimensão, chegando aos estados do Paraná, Goiás e Rio de Janeiro.

Os comitês de morte materna são organismos de natureza interinstitucional, multiprofissional e confidencial que visam analisar todos os óbitos maternos e apontar medidas de intervenção para a sua redução na região de abrangência. Representam, também, um importante instrumento de acompanhamento e avaliação permanente das políticas de atenção à saúde da mulher.

Em São Paulo, foi criado em 1989 o primeiro Comitê de Mortalidade Materna do Brasil. Após o início dos trabalhos de pesquisa, esse grupo lutou pela oficialização do comitê, culminando com a Lei 11.313 de 21 de dezembro de 19923, que instituiu legalmente o Comitê de Mortalidade Materna do Município de São Paulo (CMMMSP).

 Desde a sua criação, o Comitê paulistano vem desempenhando um trabalho contínuo na busca de casos positivos ou presumíveis de morte materna. Esse processo contínuo de investigação de casos constitui-se num importante instrumento de gestão, que permite avaliar a qualidade da assistência à saúde prestada à mulher, visando subsidiar as políticas públicas e as ações de intervenção.

As Atribuições Gerais do Comitê de Mortalidade Materna do Município de São Paulo são:

Fluxo da Investigação

A notificação do óbito materno se faz pelo preenchimento e encaminhamento da Declaração de Óbito, gerada na fonte notificadora para a Secretaria Municipal de Saúde. A declaração de óbito (DO) é o documento padrão do Sistema de Informações sobre Mortalidade, que tem como finalidade cumprir as exigências legais de registro de óbitos, atender aos princípios de cidadania e servir como fonte de dados para as estatísticas de saúde.

O processo de investigação, deflagrado a partir da DO tem como fator limitante a subi informação, quando se omite que a morte teve causa relacionada à gestação, ao parto ou ao puerpério. As inconsistências nas informações das declarações de óbito ocorrem pelo desconhecimento dos médicos quanto ao seu correto preenchimento e quanto à relevância desse documento, como fonte de dados de saúde. Lembramos que o médico é responsável por todas as informações contidas na DO, conforme a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1779/20054.

Tal comportamento alerta para o fato de que a realidade e a importância da morte materna, enquanto evento, ainda não faz parte da consciência médica. Os profissionais desconhecem a importância do indicador na elaboração de diretrizes assistenciais. Esse é um problema mundial e atinge também os países desenvolvidos mesmo com baixas razões de mortalidade materna.

A análise da qualidade do preenchimento da DO e o retorno da informação aos profissionais responsáveis pelo preenchimento, com relação às incorreções encontradas, são estratégias de educação continuada e de qualificação das informações sobre os óbitos, por essa razão devem ser incentivadas e praticadas no cotidiano dos serviços de saúde. O Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade do Município de São Paulo (PRO-AIM) mantém o Programa de Cartas, onde os médicos atestantes são chamados para esclarecer as causas de morte nos casos de declarações com descrições incompletas, elabora e oferece palestra além de  divulgar materiais informativos. O aplicativo Atesta DO é uma ferramenta disponibilizada para os médicos e tem o objetivo de orientar e esclarecer dúvidas sobre o correto preenchimento da DO.

Para identificar mortes maternas não declaradas, as chamadas mortes mascaradas, são incluídas na análise os óbitos de mulheres entre 10 anos e 49 anos (MIF-morte de mulheres em idade fértil), triadas como casos suspeitos através do Método de Máscaras, preconizado pelo Ministério da Saúde, respeitando-se os critérios aceitos mundialmente para essa seleção, revisto e aprimorado pela experiência adquirida durante todos esses anos de existência do Comitê Municipal de São Paulo. Apesar de proporcionar uma boa qualidade na captação dos casos suspeitos do envolvimento com a morte materna, o Método de Máscaras pode apresentar falhas que, apesar de poucas, não deixam de ocorrer. Visando a minimização dessas falhas, a partir de 2005 foi agregado ao Método de Máscaras mais uma forma de captar casos possíveis do envolvimento com a morte materna. Esse novo procedimento consiste no cruzamento do banco de óbitos de mulheres em idade fértil com o banco do SINASC (Nascidos Vivos), confrontando dados da mãe do recém-nascido com os da falecida, procurando similaridades. Esse processo se estende até um ano da data do parto registrado no banco do SINASC e já é utilizado com segurança em outros países. Além disso, temos a vigilância ativa do óbito materno, caracterizada pelo contato direto, a intervalos regulares, com as fontes de informação (equipamentos de saúde, profissionais da rede, Serviço de Verificação de Óbito -SVO, Instituto médico Legal-IML, e etc..).

De posse das cópias das DO, deve-se iniciar a investigação dos óbitos de mulheres em idade fértil ou de óbitos declarados. O representante do comitê ou o técnico da vigilância epidemiológica deve dirigir-se, conforme o caso, ao domicílio da falecida, unidade ambulatorial, à instituição hospitalar, SVO e IML.  Após concluir a investigação, tanto os comitês municipais, regionais ou estaduais ou o setor de vigilância epidemiológica, podem anotar os esclarecimentos com a real causa de óbito em folha anexa à DO e corrigir os dados no Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), tomando cuidado para não causar duplicidade de registro.

Se o caso for negativo para morte materna após a investigação, o processo é encerrado, se o caso for positivo segue-se para a análise do óbito e dos fatores de evitabilidade.

A análise do óbito é uma etapa fundamental do processo. O comitê ou o setor de epidemiologia deve promover reunião para analisar ampla e detalhadamente todos os passos “percorridos” pela falecida. A rigor, devem-se analisar o perfil socioeconômico da mulher, a assistência prestada no pré-natal, parto, aborto e puerpério, precisão dos dados da declaração de óbito, se o óbito materno foi declarado ou não, se a morte era evitável, quais seriam os fatores de evitabilidade e as medidas de prevenção cabíveis.

O estudo de um caso de morte materna é de uma riqueza ímpar e não pode ser menosprezado, deve ser honrado, ser um gatilho para ações que evitem novas mortes.

A nossa experiência em trabalhar em conjunto com a Área Técnica de Saúde da Mulher, envolvendo as equipes que prestaram atendimento a falecida, tem se mostrado produtivo na correção imediata das irregularidades que levaram ao óbito.

Entretanto, por desconhecimento, alguns profissionais e equipamentos de saúde, privados ou do Sistema único de Saúde demonstram resistência ao processo de auditoria do Comitê. Esse temor é infundado visto o caráter sigiloso, não punitivo e educativo, sem juízo de valor do Comitê de Mortalidade Materna.

A missão do Comitê de Mortalidade Materna, vai além de construir indicadores, visa melhorar as condições de saúde oferecidas à população feminina, tentando adequar e humanizar o atendimento à mulher, alertando os mais diversos níveis quanto aos problemas encontrados durante a gravidez, o parto e o puerpério, com vistas à redução das mortes de mulheres que estão no auge de suas capacidades, diminuindo a consequente desagregação familiar.

 

Legislação

1-Brasil. Ministério da Saúde. Assistência Integral à Saúde da Mulher: Base de ação programática. Ministério da Saúde. /Brasília, Centro de Documentação do Ministério da Saúde, 1984.27 p. (Série B: Textos Básicos de Saúde)

2- Portaria nº 653/GM/MS, de 28 de maio de 2003. Disponível:https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/MatrizesConsolidacao/comum/6052.html

 3- Câmara Municipal do Município de São P. Lei Municipal 11.313 1992. Institui, no ambito da Secretaria Municipal da Saude, o Programa de Prevenção a Mortalidade Materna e os Comitês de Mortalidade Materna, e da outras providencias.

4-Conselho Federal de Medicina nº 1779/2005.

Disponível: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2005/1779

Autores

Claudia Maria Ricardo Serafim Giaccio

Presidente do Comitê de Mortalidade Materna do Município de São Paulo

Médica Ginecologista e Obstetra

Mestre e Doutora em Ciências pelo Centro de Controle de Doenças, Secretaria de Estado de Saúde de são Paulo.

Assessora da Área Técnica de Saúde da Mulher da secretaria Municipal de Saúde de São Paulo

 

 

Vicente José Salles de Abreu

Médico Pediatra

Membro do Comitê de Mortalidade Materna do Município de São Paulo;

Mestre e Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo;

Médico Fiscal do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo;

Assessor da Área Técnica de Saúde da Criança e do Adolescente – Atenção Básica/SMS.

 

 

Sonia Raquel W. Leal.

Membro Titular do Comitê de Mortalidade Materna do Município de São Paulo;

Mestre em Ginecologia pela UNISA

Coordenadora da área técnica de Saúde da Mulher do Município de São Paulo

 

Paula Maria de Souza

Enfermeira

Vice Presidente do Comitê de Mortalidade Materna do município de São Paulo

Assessora da Área Técnica de Saúde da Mulher da secretaria Municipal de Saúde de São Paulo

 

 

Athenê Maria de Marco de França Mauro

Médica Pediatra

Especialista em Hebiatria pela UNIFESP

Especialista em Gestão de Políticas de Saúde Baseada em Evidências pelo Sírio-libanês Ensino e Pesquisa

Especialista em gestão do SUS pela FIOCRUZ

Presidente do Comitê de Mortalidade infantil do Município de São Paulo.

Diretora da Divisão Ciclos de Vida da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo.

Coordenadora da saúde da Criança e do Adolescente da Secretaria Municipal de saúde de São Paulo

Supervisora do Programa de Residência Médica de Pediatria da Secretaria Municipal de São Paulo.

 

Temístocles Pie de Lima

Médico Ginecologista e Obstetra

Membro Titular do Comitê de Mortalidade Materna do Município de São Paulo


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