Jornal do Cremesp - Edição 352 - Outubro de 2017
O aumento da incidência de suicídio trouxe à tona o debate sobre esse tema, incluindo-o também no Congresso Brasileiro de Bioética, ocorrido no final de setembro em Recife, Pernambuco. Na ocasião, também foi aberto espaço para discussões sobre os dilemas em final da vida, transexualismo e transgenitalização.
Dados internacionais apresentados pelo psiquiatra Mauro Aranha, coordenador do Departamento Jurídico do Cremesp, apontam que a cada 100 mil habitantes, 5,7 abreviam as próprias vidas; número que sobe para 8,9 entre a população acima de 60 anos. Aranha defende uma maior atenção a tal segmento.
As estatísticas também apontam que, apesar de a tentativa de suicídio ser mais frequente no sexo feminino, a concretização tem número superior no masculino. Curiosamente, no meio médico, os dados se invertem, apontando que as médicas se suicidam três vezes mais do que os médicos. No Brasil, a categoria tira a vida 13 vezes mais do que as demais profissões.
Aranha usou a abordagem do sociólogo francês Émile Durkheim, para quem existem três tipos de suicídio: o Egoísta, quando a individualização se torna tão excessiva que faz com que a pessoa não veja mais sentido na vida; o Altruísta, que abre mão de sua vida em nome da coletividade (como os kamikazes japoneses, na 2ª Grande Guerra); e o Anômico, geralmente marcado por um aumento súbito no número de suicídios em períodos de crises (como desemprego) ou processos de transformações sociais.
O psiquiatra Antônio Medeiros Peregrino da Silva, da Universidade de Pernambuco (UPE), elencou alguns mitos sobre o tema, dentre eles o de que a pessoa que vai se matar não avisa antes. “Avisa, sim. A ideação é um risco”, afirmou. A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que 90% dos suicídios poderiam ser evitados, se devidamente tratados.
Transgênero
Em algumas realidades, o que parece ser um desafio pequeno adquire proporção inimaginável, como trouxe à pauta a advogada transgênero Robeyoncé Lima. Quando inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de seu Estado, da qual é membro da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero, tinha como meta tornar-se a primeira a receber a carteirinha com seu nome social nas regiões Norte e Nordeste.
Batalha ganha, Robeyoncé conseguiu, na Justiça, mudar a certidão de nascimento e o RG. “O principal direito pelo qual a gente luta é o de existir e ser vista como uma pessoa normal”, ressaltou.
Na mesma atividade participaram Deborah Macedo Duprat, subprocuradora-geral da República; e Elaine Frade, coordenadora do Ambulatório de Transexualismo da Clínica Médica de Endocrinologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e participante do grupo de trabalho sobre diversidade do Centro de Bioética do Cremesp.
Deborah sugeriu ampla e profunda discussão, capaz de incluir a diversidade e se opor ao “reducionismo de nomes e conceitos”. De acordo com Elaine, as causas para tal condição ainda não são completamente conhecidas. Uma das possibilidades é a de existirem diferenças nas estruturas cerebrais de transgêneros, em comparação aos cisgêneros – cujo gênero se identifica com o sexo biológico. “Entretanto, questões relativas à transexualidade podem ter um desfecho melhor quando discutidos no campo da Bioética”, afirmou ela.
Para Reinaldo Ayer, coordenador do debate e do Centro de Bioética do Cremesp, o interesse despertado na questão “mostrou a necessidade de ampliação de tais discussões porque a realidade dos envolvidos exige soluções complexas”.
Diferentemente do que é noticiado, a prática de eutanásia e suicídio assistido não aponta “abusos” nos locais onde essas condutas médicas são legalmente permitidas.
De acordo com o professor de Bioética do Piauí, Sérgio Ibiapina, tais práticas representam 3% das mortes, na Holanda, e 0,3% em Oregon, EUA. O professor destacou que, nesses locais, as solicitações de suicídio assistido “precedem e muito” a fase final da vida. Ele ressaltou também que o Brasil não pode “se abster de discutir esse tema”.
Para Ibiapina, o suicídio não deve ser encarado apenas por princípios deontológicos (normas profissionais), mas também pelos teleológicos (que identificam as finalidades). “Não podemos tirar de uma pessoa o direito de escolher como e quando quer morrer.”
Cuidados paliativos
Sob o enfoque dos cuidados paliativos, Daniel Forte, presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, enfatizou que, no Brasil, se morre muito mal. A terminalidade da vida não tem sido tratada de maneira adequada. “Usamos menos opioide do que em Uganda, na África.” Ele também abordou a autonomia na fase final de vida. “É inconcebível achar que alguém urrando de dor exerce autonomia. Esta pessoa pede para morrer como um ato de reflexo, mas quando recebe medicamentos que aliviam seu sofrimento, repensa”, concluiu.
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