Cirurgião plástico relata “ser muito comum” em sua especialidade que certos pacientes, após pós-operatório sem intercorrências, deixem de comparecer aos controles marcados.
Informa que isso ocorre mesmo diante da insistência das secretárias em agendar o retorno. Alguns chegam até a sustar os cheques pelo tratamento, alegando “desacordo comercial”.
Questiona, entre outros pontos, quando se configura o abandono de tratamento por parte do paciente?; qual o prazo mínimo a se estabelecer para o comparecimento?; seria adequado mandar uma carta de convocação, com “aviso de recebimento”? Depois disso, o cirurgião ficaria desobrigado de dar assistência?
Conforme pode ser observado, o tema central dos questionamentos se refere aos aspectos relacionados à relação médico-paciente, entre os quais o referencial bioético da autonomia deve ser visto da forma mais ampla possível.
Na prática assistencial da Medicina, tal referencial passou a ser considerado apenas a partir dos anos de 1980 do século passado: nossos postulados éticos atuais – inclusive, o Código de Ética Médica –, reconhecem que todo o procedimento diagnóstico ou terapêutico só pode ser realizado após o devido esclarecimento do paciente. Por outro lado, o médico tem o direito de não dar assistência a quem não deseja, salvo em situação de risco iminente de morte.
Apesar de todas as transformações vivenciadas pela Medicina nas últimas décadas, a relação médico-paciente se mantém como uma relação de confiança, havendo um tácito contrato informal em que o médico se obriga a utilizar todos os meios possíveis, ou ao seu alcance, para assistir ao paciente.
Ao assistido, cabe colaborar ativamente, conforme seus valores, para o sucesso da atenção médica, ou seja, a própria saúde.
Feitas essa observações, entendemos que a relação terapêutica entre o cirurgião plástico e seu paciente não difere em nada da relação médico-paciente em qualquer outra especialidade: ambos os atores têm seus valores e suas autonomias, que devem ser respeitados.
Ao médico cirurgião cabe utilizar todos os meios para chegar aos seus objetivos, com perícia, prudência e técnica, e respeitar os ditames éticos da profissão, anotando todas as especificidades do tratamento no prontuário – inclusive, situação em que o paciente abandona seu seguimento no pós-operatório.
“Abandonar” o tratamento, por sinal, é um direito de qualquer paciente: convocá-lo por carta com “aviso de recebimento”; e/ou “estabelecer-se um prazo” para a configuração de abandono parece-nos um grande absurdo. É lógico que, se o atendido resolver não mais aparecer no consultório, o cirurgião deixará de ter responsabilidade sobre o mesmo, até por impossibilidade de manter a atenção médica.
Cumprindo todos os deveres acima, além de manter um relacionamento respeitoso e educado com seus pacientes, o médico dificilmente será vitima de qualquer manobra aética por parte do atendido. Se mesmo agindo corretamente for vítima de atitude imoral por parte dele, nossos tribunais, em pleno estado de direito, certamente punirão os culpados nas inevitáveis lides éticas e judiciais.
Resposta baseada no Parecer Consulta nº 155.608/11, do Cremesp.
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