Zika vírus e interrupção de gravidez foram temas de discussão de Comitês de Bioética

Por Concília Ortona, do Centro de Bioética do Cremesp

Ser acometida por infecção causada por zika é razão para a grávida e seu companheiro solicitarem o aborto? Qual a postura do médico perante pedido como esse?

Tema tão “nebuloso” como atual foi foco de Encontro dos Comitês de Bioética, no dia 23 de junho, na subsede da Vila Mariana, do Cremesp: a mesa-redonda trouxe participantes com posições fundamentadas em uma direção: o atual estágio de conhecimento sobre o acometimento ao feto pelo vírus não indica condutas padronizadas ao abortamento – ressaltando-se, claro, que avaliações clínicas e éticas dependem de análises caso a caso.

Também ficou claro ser equivocada a analogia ao aborto em anencefalia – cuja jurisprudência permite interrupção da gestação, por considerar a malformação “incompatível com a vida”.

Inclusão e zika
Durante suas boas vindas aos presentes, o presidente do Cremesp e da mesa principal do Encontro, Mauro Aranha, lembrou os constantes dilemas éticos presentes em debates sobre interrupções de gestação. Isso se intensifica ao se abordar o aborto em virtude de microcefalia, em um momento em que a Organização das Nações Unidas (ONU) empenha esforços à inclusão social de pessoas com deficiência.

Em sua fala, o palestrante Marcos Boulos, professor titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e diretor de Comunicação do Conselho, traçou um panorama mundial da epidemia por zika vírus desde a década de 1930 até os dias de hoje. “O vírus chegou ao Brasil quase sem ser percebido, pois encontrou a prevalência de dengue, que, da mesma forma que chikungunya e febre amarela, são espalhadas pelo Aëdes aegypti”, explicou.

“Microcefalia não é só coisa de infecção por zika. Mesmo naqueles casos que demonstram a correlação entre vírus e a malformação, percebem-se graus variados do acometimento. O mais grave é o mais raro”, explica o professor.

Interromper a gravidez?
Seguindo raciocínio parecido, a ginecologista Roseli Mieko Yamamoto Nomura, membro da Câmara Técnica de sua especialidade, é direta. “Os simples fatos de a gestante ser picada pelo mosquito e até, de desenvolver exantema, não significam que seu filho vai ser ter graves alterações neurológicas no sistema nervoso central – a consequência mais grave da Síndrome da Zika Congênita”. Complementa: “Não sabemos exatamente a porcentagem em que elas acontecem, nem qual é o trimestre de maior risco pelo vírus”.

Trazendo o ponto de vista jurídico, a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo e que já foi corregedora da Polícia Judiciária da Capital e do departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) de São Paulo, enfatizou “serem situações muito diferentes” as vinculadas à anencefalia e à microcefalia causada pelo zika.

“Mesmo antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) permitir aborto por anencefalia, nossa coordenadoria deferia a essas mães, de forma tranquila, a interrupção de gravidez, com base na incompatibilidade com a vida pela malformação”. No entanto, explica, dois fatores levam a analise diferente em microcefalia por zika. Primeiro: o tempo. “Quando o pedido chega a nós a gravidez está em seu 6°, 7° mês – o juiz, na verdade, estaria autorizando um homicídio, e isso ele não faz”.

A outra diferença é a forma com que a solicitação é submetida aos magistrados. “A possibilidade de dar à luz um filho incompatível com a vida, mesmo uma ‘possibilidade segura’, não corresponde à certeza”. Ou seja, o judiciário dificilmente deferiria um pedido em tais circunstâncias.

Na última parte do encontro, Antônio Cantero Gimenes e Janice Caron Nazareth, responsáveis pelo grupo de apoio aos Comitês de Bioética do Cremesp e coordenadores da mesa, abriram o microfone para opiniões e questionamentos da plateia.

Marcaram presença, entre outros, comitês de Bioética dos hospitais: Alemão Oswaldo Cruz; Israelita Albert Einstein; Artur Ribeiro Saboya; do Coração; Infantil Darcy Vargas; Geral de Itapecerica da Serra; Municipal do Tatuapé; e Fundação ABC, que dedicaram os momentos iniciais do evento a elencar atividades futuras, como o Congresso Paulista de Bioética Clínica, previsto para novembro, e que pretende incluir assuntos como cesariana eletiva em serviços públicos; manipulação de embriões para transplantes; atendimento médico a familiar; e assistência a transgêneros, entre outros. 


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