Sobre Objeção de Consciência

Pediatra decide não continuar a atender um paciente, alegando impossibilidade de “passar por cima de seus princípios”. Em sua argumentação, afirma não ter mais condições ao atendimento, oferecendo-se, inclusive, para fazer um relatório a outro colega capacitado a acompanhar a criança. Motivo: os pais do atendido militam em partido político com o qual não compactua.

Situação como esta leva a reflexões a respeito do entendimento, no campo da Saúde, do – subjetivo – direito à “objeção de consciência”, que pode ser interpretado como “ninguém pode ser obrigado a fazer algo contrário ao que pensa e sente, especialmente, ferindo seus valores morais e espirituais”. Isso está previsto, inclusive, no próprio Código de Ética Médica, quando salvaguarda a decisão autônoma por não atender a quem não desejar.

O primeiro conflito pode surgir quando tal direito parece ultrapassar a tênue barreira da discriminação – aqui, vale lembrar que a Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, a ser exercida sem discriminação de nenhuma natureza.  Mas, negativas ao atendimento podem se basear em escolhas políticas e/ou ideológicas?; qual é o limite entre crenças e valores dos profissionais da saúde e aqueles essenciais ao paciente?

Primeiro ponto: conforme todos os ditames da profissão, o médico deve atender a todo mundo, independente de suas posições políticas, ideológicas etc. A recusa prevista ao atendimento dirige-se a situações bastante excepcionais, pois não discriminar é norma constitucional. É possível justificar a decisão em virtude de conduta agressiva do paciente ou dos familiares, ou ainda recusa persistente ao atendimento proposto. Ainda que estes sejam os casos, o assistido deve ser encaminhado a outro médico.  

Discriminação?

Em sua essência, o termo “objeção de consciência” abriga princípios morais inalienáveis: o respeito à autonomia plena e consciente da pessoa e sua liberdade. Porém, não pode esconder, nem se fundamentar, em caprichos pessoais, subjetivismos, nem obstinação intransigente.

No campo da Saúde, há quem considere que, no fundo, a prerrogativa da objeção de consciência pode estar sendo usada por alguns profissionais para discriminar determinados pacientes. A dúvida aqui é até que ponto alegar o respeito aos próprios ditames de consciência não esconde a imposição de um valor pessoal a um atendido? 

Em termos gerais, quando não se parte de motivos fúteis e/ou discriminatórios, pode-se recorrer à objeção de consciência, a não ser que seja em situação de urgência e emergência, e quando não há um colega a quem encaminhar. 

Antes disso, contudo, é necessária profunda análise caso a caso e, se a decisão for por declinar o atendimento, os motivos precisam ser detalhados em prontuário.

Dilemas, conflitos e dúvidas em relação à abrangência da aplicação da “objeção de consciência” em Saúde não ocorrem apenas no Brasil. Também fora, as discussões têm se intensificado nos últimos anos. Há mais de uma década atrás, o bioeticista australiano Julian Savulescu, da Universidade de Oxford, tem argumentado que “os pacientes deveriam ser mais bem protegidos dos valores pessoais dos médicos”, em particular, quanto à assistência em fase de morte; aborto e contracepção.

Dentro desses temas delicados, artigos de Savulescu no British Medical Journal (2006) e na revista Bioethics (2016) admitem que crenças religiosas profundamente arraigadas, por vezes, entram em conflito com alguns aspectos da prática médica. Mas que médicos “não podem fazer julgamentos morais em nome dos pacientes”. Tal ponto de vista colide com o que pensam boa parte dos colegas, como o bioeticista americano Wesley Smith, que afirmou: “não podemos ser obrigados a nos acumpliciar com aquilo que consideramos pecados graves”.

Constam do Código de Ética Médica

• O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não desejar, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente;

• No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes (...) desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas;

• É direito do médico se recusar a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.

Trechos de um dos consensos estrangeiros de Bioeticistas 

• O profissional da saúde que objetar pela consciência deve explicar sua decisão;

• O ônus da prova sobre a razoabilidade e sinceridade da objeção é do profissional;

• Na presença de conflito, o profissional deve encaminhar o paciente para colega que aceite o caso. Na impossibilidade e em emergência, deve realizá-lo;

Fontes:

Jornal do Cremesp
Objeção de Consciência: Reflexões no Contexto da Bioética


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