Eugenia

A eugenia é comumente associada ao programa de “higiene racial” nazista, que começou em 1933 e terminou em maio de 1945, com a derrota da Alemanha no final da II Guerra Mundial.  No entanto, a ideia de “melhorar” os seres humanos através de seleção de suas características – algo que embute um sério problema bioético, capaz de aumentar discriminações de várias ordens – vem da Grécia antiga, tendo retornado às discussões no final do século XIX. 

Derivada do grego eugenes – “bem nascido” ou “hereditariamente dotado de qualidades nobres” – a palavra eugenia foi cunhada em 1883 pelo antropólogo, geólogo e matemático inglês sir Francis Galton, em seu livro Inquiries into Human Faculty and Its Development. Primo de Charles Darwin, autor de A Origem das Espécies (1859), toda a obra de Galton dirigiu-se não à seleção natural das espécies, como propunha Darwin, mas à seleção artificial das espécies, e sua intenção era descrever uma nova ciência, cujo cerne era o controle da evolução humana. 

O trabalho de Galton – e a subsequente redescoberta dos estudos genéticos de Gregor Mendel – convenceram muitos cientistas e reformadores sociais da época de que o controle eugênico da hereditariedade poderia melhorar a vida humana.

Galton identificou duas formas de eugenia: a positiva consistia em sugerir a procriação “entre pessoas aptas”, por meio de educação, incentivos fiscais e auxílios ao parto; a negativa defendia a não procriação dos “inaptos” – doentes mentais, prostitutas, alcoólatras e miseráveis, entre outros – para “impedir a propagação de sua ‘mancha hereditária’”. 

Até a virada do século, a ideia de Galton estava se disseminando pelo mundo. Começou a enraizar-se nos Estados Unidos, em parte, porque nessa época as pessoas estavam preocupadas com o que estava acontecendo com suas cidades. Seus apoiadores tinham uma tendência de ser “da classe média, brancos e bem educados, que se sentiam perturbadas com as favelas industriais”.

Foi justamente nos EUA que a eugenia ganhou contornos mais negativos: o controle de quem se reproduziria e quem não teria esse direito era ideia não apenas defendida por cientistas antiéticos, mas pela população em geral.  

Em meados de 1920, esterilizar pessoas era fato em alguns Estados, embora não houvesse lei federal para a esterilização compulsória. Isso aconteceu em 1927, quando foi emitida decisão sobre a constitucionalidade da esterilização por eugenia, em situação específica de uma deficiente mental albergada e considerada “promíscua” – que abriu um precedente jurídico.

Para evitar o contato dos aptos do não aptos, em algumas partes daquele país o casamento com pessoas com doenças ou outras condições hereditárias era proibido, bem como, entre diferentes raças, a fim de evitar a miscigenação. Como a medida não impediu a procriação extraconjugal, os eugenistas argumentavam por intervenções mais intrusivas, como a esterilização sexual; controle da imigração; e até a eutanásia. 

Intervenções profundas dependiam da segregação. Por exemplo, indivíduos considerados “impróprios” poderiam ser internados em instituições como manicômios e sanatórios de tuberculosos. Isolados da sociedade “normal”, também eram divididos por sexo dentro das instituições, para impedir que gerassem filhos. 

A segregação por meio do encarceramento, porém, era muito custosa quando aplicada a todos. Por isso, sugeriu-se a esterilização sexual compulsiva dos considerados “débeis mentais" ou "lentos”, capaz de trazer benefícios eugênicos e econômicos para a sociedade. Uma vez esterilizados, não apresentavam mais risco eugênico – ao que reformadores sociais diziam ser um método “mais humano” do que afastar as pessoas durante a idade fértil. 

No caso de indivíduos com comprometimentos físicos ou mentais graves propunha-se a intervenção eugênica mais radical: a eutanásia. Mesmo nos EUA, poucos consideravam seriamente a ideia, pelo menos, até a chegada do regime nazista, que tinha entre suas mais expressivas características a superioridade racial do povo ariano. 

O líder e chefe do governo alemão Adolf Hitler criou artifícios a fim de eliminar qualquer ameaça de ‘sujar’ a raça considerada perfeita, utilizando os seres humanos como cobaias, principalmente na II Guerra.
 
Apoiados pelo Estado, os nazistas instituíram programas de eugenia positiva, que incentivavam indivíduos “racialmente aptos" a se reproduzirem, e um (enorme) programa de eugenia negativa. Em última análise, esterilizaram cerca de 400.000 pessoas e sacrificaram outras 70.000, julgadas como débeis mentais ou inadequadas, e no Holocausto, previram o extermínio de seis milhões de vítimas judias, junto com milhões de outras pessoas, especialmente ciganos e homossexuais. Após esses atos, foi criado o primeiro código de ética, o Código de Nuremberg. 

Ainda que o conhecimento e a tecnologia genética tenham mudado desde o Holocausto, o contexto cultural e político em torno da busca pelo melhoramento genético passaram por transformações ainda maiores, fazendo com que o objetivo da atual intervenção genética não seja a melhora do coletivo, mas a do individual. 

Concepções modernas sobre direitos individuais reduziram o risco de abusos cometidos em nome da eugenia. Enquanto a eugenia negativa foi eliminada por ser inaceitável, a positiva ainda é defendida por certos grupos que propõem a engenharia genética voltada ao desenvolvimento de crianças com características superiores – algo rechaçado pelos especialistas em Ética e Bioética em todo o mundo. 

Isso é visto no Brasil, por exemplo, no Código de Ética Médica que, em seu capítulo sobre Responsabilidade Profissional, veda a procriação medicamente assistida para criar embriões com finalidades de escolha de sexo, eugenia ou para originar híbridos ou quimeras. Além disso, proíbe Intervir sobre o genoma humano, com vista à sua modificação, exceto na terapia gênica, excluindo-se qualquer ação em células germinativas que resulte na modificação genética da descendência.

Fontes: Genetics Society of America; Enciclopédia Internacional das Ciências Sociais; e Código de Ética Médica 
 


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